"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quinta-feira, 21 de agosto de 2014

O TESTAMENTO DE CAMPOS


A oficialização da candidatura de Marina Silva à Presidência da República pelo PSB está sendo encaminhada sem grandes turbulências, embora aqui e ali surjam boatos que ainda tentam inviabilizar a escolha, que tem praticamente a unanimidade não apenas nos partidos aliados como também na família de Eduardo Campos, empenhada em reafirmar seu legado durante a campanha eleitoral.

Cotada até mesmo para a vice na chapa com Marina, o que dificilmente acontecerá, a viúva Renata Campos está disposta a fazer campanha com Marina, levando a mensagem de seu marido aos programas eleitorais, comícios e passeatas, especialmente em Pernambuco.

Marina, mais do que nunca, representaria um eleitorado que quer uma experiência extrema de não política tradicional no poder. Os que defendem seu nome dizem que as ruas não perdoarão o PSB se, mais uma vez, Marina for impedida de se candidatar à Presidência por uma manobra de bastidores comandada pelo Palácio do Planalto.

Marina seria a candidata das ruas, e tentarão fixar em Aécio Neves, do PSDB, a imagem de que é o candidato dos políticos. Essa definição pode afetar a receptividade de Aécio em parte do eleitorado que rejeita a política tradicional, mas o que ele tem de mais eficiente são as negociações de bastidores para montar sua base de apoio, o que faltará a Marina, mesmo que hoje ela tenha no PSB uma organização partidária maior do que a do Partido Verde em 2010.

Por outro lado, uma candidatura não comprometida com acordos políticos e estruturas partidárias pode ter dificuldades na campanha e afastar um eleitorado que não quer se meter em aventuras. A expectativa de poder que Marina exala, no entanto, faz com que, pelo menos neste primeiro momento, as divergências regionais sejam superadas por um espírito de conciliação.

Os representantes do agronegócio já começaram a emitir sinais de que não recusarão o apoio a Marina, e a palavra de ordem no momento é de apoio ao programa básico para o setor, apresentado por Eduardo Campos na reunião com a Confederação Nacional da Agricultura em Brasília. Se Marina, que estava presente à reunião, confirmar esses compromissos, não haverá maiores problemas nas coligações montadas por Eduardo Campos.

O deputado federal Alfredo Sirkis, do PSB, que é o presidente da Comissão de Meio Ambiente da Câmara, ressalta que existem muitos pontos de convergência entre o grupo político de Marina e os representantes não apenas do agronegócio, como também da agricultura familiar, o que abrange da agricultura de baixo carbono à recuperação de pastagens e outros tópicos. Para ele, as divergências são superestimadas, quando existe um vasto campo de convergências que podem ser exploradas neste momento.

A questão agora parece estar nas mãos de Marina, que já autorizou que seu nome seja levado às diversas instâncias partidárias. O vice da chapa deve ser o candidato ao Senado no Rio Grande do Sul Beto Albuquerque, que já conversou ontem com Marina. Os setores da aliança mais diretamente ligados às eleições, ou os que têm voto na definição de um pessebista, já estão unificados em torno dessa chapa, e convencidos de que uma candidata como Marina, que tem no misticismo uma característica natural, poderá aproveitar este momento para potencializar a votação da aliança unindo a representatividade da nova política que ela e Eduardo Campos defendiam à comoção causada pela morte do líder, ajudando a levar suas bandeiras, como já defendeu seu filho mais velho.

As palavras finais de Eduardo Campos na entrevista ao Jornal Nacional , na véspera de morrer, já estão sendo tratadas como uma espécie de testamento que vai dar base à toda a campanha: Agora, ao lado da Marina Silva, eu quero representar a sua indignação, o seu sonho, o seu desejo de ter um Brasil melhor. Não vamos desistir do Brasil. É aqui onde nós vamos criar nossos filhos, é aqui onde nós temos que criar uma sociedade mais justa. Para isso, é preciso ter a coragem de mudar, de fazer diferente, de reunir uma agenda. É essa agenda que nos reúne, a agenda da escola em tempo integral para todos os brasileiros, a agenda do passe livre, a agenda de mais recursos para a Saúde, a agenda do enfrentamento do crack, da violência. O Brasil tem jeito. Vamos juntos. Eu peço teu voto .

21 de agosto de 2014
Merval Pereira, O Globo

'APERFEIÇOANDO' A DEMOCRACIA

Tramita no Congresso uma Proposta de Emenda à Constituição (PEC), a PEC 320, que cria na Câmara dos Deputados quatro cadeiras exclusivas para "representantes indígenas". A iniciativa tem o mesmo espírito daquele famigerado decreto presidencial que pretende alterar a ordem constitucional criando "conselhos" para "consolidar a participação social como método de governo". Em ambos os casos, a intenção declarada é "aperfeiçoar a democracia", mas o resultado é o exato oposto: fazer a democracia representativa dar lugar à representação corporativa, pilar dos regimes autoritários de inspiração fascista.

É possível que o Congresso - se estiver realmente interessado em se preservar - destine tais iniciativas, e outras similares que eventualmente apareçam, ao escaninho do esquecimento. Mas o fato é que elas sinalizam a consolidação de um pensamento autoritário que o lulopetismo pretende entranhar nas instituições políticas brasileiras.

A PEC 320 tem vários autores, liderados pelo deputado petista Nilmário Miranda (MG), e tramita desde outubro do ano passado. Ela modifica o artigo 45 da Constituição, que versa sobre a composição da Câmara dos Deputados. O texto original estabelece que a Câmara será formada por "representantes do povo, eleitos, pelo sistema proporcional, em cada Estado, em cada Território e no Distrito Federal". A PEC, por sua vez, diz que, além dos "representantes do povo", a Câmara terá "representantes indígenas eleitos em processo eleitoral distinto, nas comunidades indígenas".

A proposta estabelece ainda que "a totalidade das comunidades indígenas receberá tratamento análogo a Território", isto é, terá direito de ter quatro representantes na Câmara, eleitos por aqueles com domicílio eleitoral nessas comunidades. Esse eleitores, diz o texto, poderão votar nas eleições gerais ou nas eleições específicas para os candidatos indígenas. Assim, a título de resgatar direitos dessa minoria, a proposta lhe concede privilégios políticos.

Nem se pode dizer, aliás, que a Constituição seja omissa em relação aos direitos dos povos indígenas. No artigo 231, reconhecem-se a organização social, os costumes, as línguas, as crenças e as tradições dos índios, além dos "direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens".

Essa deferência especial a um grupo específico entre os diversos que compõem a sociedade brasileira resultou de um eficiente lobby indigenista durante a Constituinte.

Mas isso parece não bastar. Em sua justificativa, a PEC 320 assinala que é preciso ampliar "a participação política de um importante segmento da sociedade", isto é, os povos indígenas, "que têm sido historicamente excluídos de participação na política representativa do País".

Na visão dos parlamentares que propuseram a mudança, a atual Constituição "torna inexequível esse tipo de participação para os indígenas", porque os índios não conseguem eleger seus pares "como legítimos representantes de seus anseios no Congresso Nacional". O mesmo talvez se possa dizer dos ferreiros e dos moleiros.

Seguindo tal lógica, outros grupos sociais poderão no futuro, com igual razão, reivindicar cadeiras exclusivas na Câmara para seus "legítimos representantes". Com o tempo, talvez seja necessário construir até mesmo um novo prédio para o Congresso, para acomodar as cadeiras necessárias para atender a todos os pleitos. O limite disso parece ser apenas a criatividade.

Em lugar do princípio de "um homem, um voto", em que o voto de um cidadão não pode valer mais do que o de outro, estará criado um sistema em que apenas grupos organizados - e, claro, atrelados ao Estado - terão espaço político garantido no Legislativo. O resultado final dessa insanidade, feita em nome de um "modelo democrático comprometido com a verdadeira inclusão social e política", como diz o texto da PEC, é a desmoralização do próprio sistema representativo.


21 de agosto de 2014

Editorial O Estadão

QUEM BUSCA DESMORALIZAR A IMPRENSA?

Episódio da adulteração de perfis de jornalistas na internet é parte de um esforço bem mais amplo para desacreditar a imprensa livre

A Wikipédia define-se como uma enciclopédia aberta à colaboração de tantos quantos possam contribuir para enriquecer com informações, correções ou dados adicionais os seus verbetes, que incluem fatos históricos ou atuais, assim como biografias de pessoas que tenham alcançado notoriedade (positiva ou negativa) em suas esferas de atuação. A facilidade de edição tem suas vantagens, como a atualização rápida, e seus problemas, como puderam perceber os jornalistas Míriam Leitão e Carlos Alberto Sardenberg. Respeitados profissionais que têm espaço nos mais importantes veículos da imprensa nacional, eles tiveram seus perfis alterados por mãos estranhas, que imputaram aos jornalistas afirmações e comportamentos destinados a desmoralizá-los perante a opinião pública. As mudanças ocorreram em maio de 2013, mas só dias atrás foram divulgadas. Tais alterações, no entanto, sempre deixam pegadas, como o número do protocolo de internet (IP) – e o IP usado, segundo a própria Wikipédia, foi o do Palácio do Planalto.

A presidente Dilma Rousseff determinou imediata sindicância para identificar possíveis culpados. O Planalto alega ser impossível saber o autor das alterações – poderia até mesmo ser uma pessoa de fora que usou a rede sem fio da Presidência enquanto estava no palácio, afirma – porque na época os dados de acesso dos computadores do Planalto (que poderiam deixar claro qual máquina acessou a Wikipédia para fazer as alterações) só ficavam guardados por seis meses, ou seja, a essa altura já teriam sido perdidos.

Se nesse caso específico poder-se-ia até conceder aos servidores do Planalto o mais amplo benefício da presunção de inocência, por outro lado é publicamente sabido e reconhecido que Dilma está acompanhada ou assessorada por muitos dos que defendem a censura (metamorfoseada num suposto “controle social da mídia”) e não perdem uma ocasião de desmoralizar a imprensa, acusada de ser “instrumento do golpe”. Nesse grupo tem proeminência o ex-presidente Lula, incansável em sua mal disfarçada pregação contra a liberdade de expressão. Sua coleção de afirmações hostis à imprensa livre foi ampliada nesta semana, no lançamento do site O Brasil da mudança. Para Lula, o noticiário “nem sempre se preocupa em dar informação” e, em relação ao governo, “quando comunica, comunica de forma inversa àquilo que é verdade”.

A adulteração de biografias guarda similaridade com casos curiosos de regimes totalitários, como o retoque em fotos na época do stalinismo para delas fazer desaparecer os que tinham caído em desgraça. Os que mudaram os perfis de Míriam e Sardenberg são seguramente adeptos do mesmo método – agora contando com a sofisticação que as modernas tecnologias da informática possibilitam. Mas a desmoralização da imprensa vai além do pitoresco: ela tem efeitos muito mais nefastos.

A imprensa livre (e, nem seria necessário dizer, livre principalmente para criticar) é essencial para a democracia. Já o sabia Thomas Jefferson, um dos pais-fundadores da democracia norte-americana. “Se eu tivesse de escolher entre um governo sem jornais ou jornais sem governo, eu não hesitaria um momento sequer em preferir o último”, escreveu. Não é coincidência que um dos principais alvos das ditaduras, independentemente de seu matiz ideológico, seja exatamente a liberdade de imprensa. Basta recordar os casos de países que viveram sob censura, ou de nossos vizinhos bolivarianos, que, sem ter de recorrer a meios tão drásticos, sufocam os veículos de comunicação que criticam o governo, como no caso da Lei de Meios argentina ou das restrições à compra de papel jornal na Venezuela.

Só uma imprensa verdadeiramente livre é capaz de denunciar escândalos, criticar os governantes que conduzem países, estados e municípios por caminhos equivocados, servir como autêntico porta-voz do cidadão. Desqualificar esse trabalho como mera “intriga da oposição” é colaborar para deixar a sociedade às escuras, abrindo caminho para a substituição da verdade dos fatos pela propaganda política.

 
21 de agosto de 2014
Editorial Gazeta do Povo, PR

INVESTIMENTOS EM PORTOS EMPACAM NA BUROCRACIA

Para ser mais competitivo, o Brasil precisa de uma infraestrutura minimamente razoável, em especial nos transportes, mas o setor público não 

O próprio governo acabou se convencendo, com alguma relutância, que terá de atrair muitos investimentos para remover os gargalos da infraestrutura do país. Com isso, os principais aeroportos passaram à administração privada, e rodovias federais importantes para o escoamento da produção do interior estão agora sob responsabilidade de consórcios de empresas.

Mas, no caso de novas ferrovias e dos terminais portuários, o processo continua travado, por conta da burocracia e da fixação de normas que emperram a tomada de decisões no plano federal.

O licenciamento ambiental de projetos de infraestrutura costuma ser precedido de uma longa negociação até que se consiga decifrar uma linha de possível entendimento. A essas dificuldades se juntam outras, decorrentes na lentidão de tomada de decisões por parte dos órgãos encarregados de autorizar os investimentos.

O caso dos portos é, nesse sentido, bem peculiar. O governo negociou com o governo uma nova lei para estimular investimentos no setor, a partir do diagnóstico correto que portos mais eficientes serão capazes de dar mais competitividade à economia brasileira.

Desde então, a partir da regulamentação da nova lei, 40 projetos estão sendo avaliados pelo poder público. Vários se referem a expansões de terminais já existentes em áreas de portos públicos. Para que se possa avaliar eventuais conflitos de interesse, tais projetos devem passar por certos procedimentos, como audiências públicas e consultas ao Tribunal de Contas.

Diante da escassez de investimentos, seria de interesse do governo apressar esses processos. Mas o que se vê é um jogo de empurra entre os órgãos envolvidos. O investidor fica confuso, pois não sabe se a decisão caberá à Secretaria Especial de Portos ou à agência reguladora Antaq, ou se a ambas.

Enquanto isso, investimentos da ordem de alguns bilhões de reais ficam simplesmente no papel. Tal qual se viu nos aeroportos e nas rodovias, o Brasil está correndo contra o tempo para contar com uma infraestrutura minimamente razoável na infraestrutura de transportes. Não pode, então, se dar ao luxo de ficar protelando investimentos devido a procedimentos burocráticos dos quais o poder público não consegue se desvencilhar.

Sem infraestrutura não há milagre capaz de tornar uma economia mais produtiva e competitiva. O Brasil hoje cresce pouco, tem uma inflação alta e vem acumulando déficits crescentes nas transações correntes do balanço de pagamento porque as exportações perderam dinamismo.

Nesse quadro, desprezar ou retardar investimentos líquidos e certos não encontra qualquer justificativa racional.
 
21 de agosto de 2014
Editorial O Globo

ÁGUAS TURVAS


21 de agosto de 2014
Editorial Folha de SP

MUDAR PARA RECUPERAR A CONFIANÇA

A realidade dos fatos voltou a reforçar esta semana a necessidade de mudanças na condução da política econômica. O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou o desempenho das vendas do varejo no mês de junho: queda de 0,7% em relação a maio. Com ou sem o efeito Copa do Mundo, que aumentou o número de feriados, esse resultado veio pior do que previam os "pessimistas de plantão".

Em seguida, a Fundação Getulio Vargas informou que seus termômetros acusaram em julho uma queda dramática no Indicador de Clima Econômico (ICE) do Brasil, mantido em parceria com o instituto alemão Ifo. O indicador caiu ao pior nível desde janeiro de 1991, quando tinha baixado a 54 pontos.

Fechando a semana, o Banco Central (BC) jogou mais água fria nas expectativas de crescimento da economia em 2014, ao divulgar o Índice de Atividade Econômica do Banco Central (IBC-Br) de junho, que revela a tendência de desempenho do Produto Interno Bruto (PIB).

Segundo os dados do BC, o Brasil pode não estar em recessão, mas as notícias não são animadoras. A atividade econômica aumentou sua desaceleração, resultando em queda de 1,48% em relação a maio, que tinha apresentado perda de 0,80% (dado já revisado). Com isso, o crescimento do PIB no semestre, pela prévia do BC, pode ter sido de apenas 0,13%, em comparação com igual período de 2013.

Na economia, é comum os primeiros seis meses serem os piores do ano. Mas, confirmada essa prévia calculada pela autoridade monetária, o de 2014 terá sido o pior 1º semestre do atual governo. Em 2011, o crescimento de janeiro a junho foi de 4,35%; em 2012, 0,36% (o mais baixo até então); em 2013, 3,41%. E tudo isso ocorre com a inflação ainda mais perto do teto (6,5%) do que do centro da meta (4,5%) fixado para este ano.

Não há, portanto, nada que indique melhora expressiva no ritmo da atividade econômica, a ponto de inverter a expectativa de que o PIB terá crescimento de no máximo 1% este ano. E, se isso ocorrer, a atual administração terá completado um período de crescimento inferior à que a antecedeu, apesar da crise financeira internacional de 2008-2009. De fato, entre 2007 e 2010, as taxas de expansão do PIB foram de 5,4%; 5,2%; -0,2%; e 7,5%. Já entre 2011 e 2014, as taxas foram de 2,7%; 0,9%; 2,3% e 1% (previsão).

Está claro o esgotamento do estímulo ao consumo, seja pela via do crédito, seja pelas desonerações localizadas. É urgente atuar do lado da oferta. É hora de trocar a política fiscal frouxa - marcada pelo aumento do gasto público em prejuízo do investimento - pela geração de superavits, de substituir o intervencionismo pela transparência da gestão e firmeza da política monetária, em cumprimento do centro das metas de inflação. É preciso retomar as reformas destinadas a favorecer a competitividade da economia. Só assim o próximo governo estará agindo para superar a crise de confiança que ameaça levar o país à recessão e a perder suas importantes conquistas sociais.

21 de agosto de 2014
Editorial Correio Braziliense
 

MINISTROS DO SUPREMO CONTRA A CENSURA JUDICIAL

Juízes têm atuado como censores, na defesa de ‘direitos individuais’, mas, assim, desrespeitam preceito constitucional da liberdade de imprensa e o interesse público

Há quase 30 anos do fim da ditadura militar e há 26 da promulgação da Constituição que restabeleceu o estado democrático de direito, a imprensa brasileira ainda não usufrui da liberdade garantida na Carta. É paradoxal.

E tudo se deve, outro paradoxo, a um dos pilares do próprio regime republicano, o Poder Judiciário, cuja primeira instância tem acolhido reclamações de pessoas que se sentem atingidas pela imprensa, com pedidos de proibição à veiculação de textos ou imagens. São atendidos, infelizmente, por juízes que se convertem em censores togados e, assim, rasgam a Constituição.

É por esse motivo que o Brasil nunca aparece bem situado em rankings internacionais sobre a liberdade de imprensa. A censura judicial continua a manchar a democracia brasileira. Ao menos, ministros do Supremo Tribunal Federal têm reafirmado a Constituição, quando examinam recursos contra este tipo de censura. Nos últimos dias, houve dois casos exemplares.

Em um, o ministro Luiz Fux cassou liminar que impedia o site da revista “Veja” de publicar a informação de que a família de Cláudia Silva Ferreira, vítima de violência policial no Rio, era alvo de “espertalhões”, e que o advogado João Tancredo havia sido desautorizado pela família de Cláudia.

No outro caso, a ministra Rosa Weber, em decisão liminar, cassou resolução da Justiça do Espírito Santo e permitiu que o jornal “Século Diário” voltasse a publicar matérias sobre o promotor de Justiças Marcelo Barbosa de Castro Zenkner.

O promotor se sentiu difamado por reportagens sobre sua atuação profissional, processou o jornal, e a 6ª Vara Cível de Vitória censurou a publicação: “Século Diário” ficou impedido de editar qualquer reportagem sobre o assunto, sob pena de levar multas diárias de R$ 1 mil. Uma arbitrariedade digna dos tempos da ditadura militar.

No seu voto, a ministra reafirmou o sentido do artigo 220 da Carta, pelo qual a “manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação” não podem sofrer “qualquer restrição”. Segundo a ministra, “o Estado, inclusive o Judiciário, não dispõe de poder algum sobre a palavra, sobre as ideias e sobre as convicções manifestadas pelos profissionais dos meios de comunicação social”.

Como não se trata de um súmula do Supremo, isso não impedirá que juízes de primeira instância continuem a dar uma interpretação enviesada a direitos individuais, também incluídos na Carta, mas que geram atos de censura. A própria ministra, em seu voto, alerta que o “interesse público” é capaz de se sobrepor a interesses individuais.

Mas são importantes esses votos de Luiz Fux e Rosa Weber. Ajudam a cristalizar o verdadeiro sentido do direito constitucional à liberdade de expressão, e ainda servem de sinalização contra planos autoritários de subjugação da imprensa profissional.
 
21 de agosto de 2014
Editorial O Globo

SEIS MESES DESASTROSOS

O Brasil continuou perdendo espaço na economia mundial, no primeiro semestre, com desempenho muito pior que o da maior parte dos países, tanto emergentes quanto desenvolvidos. A recuperação global vem sendo mais lenta do que se previa há alguns meses, mas o quadro brasileiro é especial. O País tem exibido uma rara combinação de baixíssimo crescimento com inflação elevada, contas públicas em deterioração e comércio externo empacado. Na sexta-feira a estagnação foi confirmada por mais uma fonte oficial. Em junho, a atividade econômica foi 1,48% inferior à de maio e 2,68% menor que a de um ano antes, segundo o índice produzido mensalmente pelo Banco Central (IBC-Br). Esses números são da série livre de efeitos sazonais. O crescimento ficou em 0,08% na primeira metade do ano. Em 12 meses, chegou a 1,41%, mas com forte perda de ritmo na fase final.

O balanço completo do período janeiro-junho será divulgado no fim do mês pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mas o índice do BC é considerado uma boa antecipação do Produto Interno Bruto (PIB) e, além disso, harmoniza-se muito bem com os dados parciais de produção, consumo e investimento conhecidos até agora e também com os números da balança comercial. Será enorme surpresa se o PIB vier muito melhor que o IBC-Br.

As projeções mais otimistas para o ano todo continuam sendo as do setor público. O Ministério do Planejamento publicou em julho uma estimativa de crescimento econômico de 1,8%. No mês anterior o BC havia divulgado uma projeção de 1,6%. As bolas de cristal do setor privado mostram cenários muito piores. A mediana das projeções do setor financeiro chegou a 0,81% no dia 8, segundo a pesquisa Focus, conduzida pelo BC. Na semana anterior a estimativa de crescimento estava em 0,86%. Na metade de julho havia chegado a 1,05%.

Os maus números de junho têm sido atribuídos, pelo menos em parte, à Copa do Mundo. Houve menos dias de trabalho e menor atenção aos negócios e, além disso, decisões importantes foram adiadas. Há alguma verdade nesse argumento. Mas a Copa durou cerca de um mês e a economia foi mal durante todo o semestre. Além disso, vários números da série do IBC-Br foram revistos para baixo, segundo a informação publicada ontem. O dado de maio passou de -0,18% para -0,80%. O de abril, de +0,05% para -0,01%. O de março, de +0,04% para -0,24%. Seria cômico atribuir todo esse desastre à mudança de rotina provocada pelo campeonato da Fifa.

O futebol pode servir para explicar parcialmente, portanto, a redução do consumo e o recuo da produção industrial em junho e, talvez, em parte de julho. Mas é necessário examinar outros fatores para analisar o atoleiro econômico do primeiro semestre deste ano. Um dos principais componentes do quadro é a estagnação da indústria.

A produção industrial nos primeiros seis meses foi 2,6% menor que a de janeiro a junho de 2013. A de bens de consumo duráveis, 8,6% inferior à de um ano antes. Esse número combina, à primeira vista, com os do consumo. O volume das vendas no varejo, no mesmo período, ficou 4,2% acima das de um ano antes, sem contar as de carros, veículos, peças e material de construção. Quando esses itens entram na conta, a diferença fica em apenas 0,1%. Isso se explica em parte pelo endividamento dos consumidores, pela alta dos juros e pelo efeito da inflação no orçamento familiar.

Mas o aumento da importação também é parte da conta. Nos 12 meses terminados em junho, a parcela de importados no mercado nacional de bens industriais chegou a 21,8%, o coeficiente mais alto desde 2007. O cálculo é da Confederação Nacional da Indústria (CNI). Juntam-se nesse quadro a perda de vigor do mercado interno e o baixo poder de competição da indústria. A competitividade foi erodida por vários fatores desastrosos. Mais estímulo ao consumo que à produção, baixo nível de investimento, ineficiência da infraestrutura e política comercial mais ideológica do que pragmática são exemplos evidentes. Grandes erros nasceram das fantasias do governo, incluída a do mercado interno como seguro contra a crise.

 
21 de agosto de 2014
Editorial O Estadão

BIOMÉTRICO


 A Venezuela adota sistema biométrico para espionar o que o povo compra no supermercado. Dada a carência crônica de itens básicos, o cidadão tem direito de comprar cada tipo de alimento somente uma vez por semana.
É a tecnologia moderna a serviço do atraso.
 
21 de agosto de 2014
José Horta Manzano

POLÍTICA DO COTIDIANO, DO JORNALISTA CLAUDIO HUMBERTO

“Mudou a conjuntura política”
Lula após conhecer os primeiros levantamentos mostrando crescimento de Marina



CANDIDATOS A GOVERNADOR NO RIO POSAM DE POBRES

Nenhum dos candidatos ao governo do Rio de Janeiro confessa ao menos ser “remediado”. Todos tentam demonstrar que não ficaram ricos na vida pública, e a lorota se confirma com a soma dos bens que os sete candidatos declaram, mal atingindo R$ 2 milhões – valor inferior à avaliação do endereço residencial de qualquer um deles. Só não são modestos nos gastos de campanha: R$ 186 milhões no total.

LÁ EM CIMA

Marcelo Crivella (PRB) declarou bens no valor de R$ 734 mil, Ney Nunes, do PCB, R$ 514 mil. E Garotinho (PR) declarou R$ 303 mil.

LÁ EMBAIXO

Os candidatos que se dizem pobretões são Pezão (PMDB) com R$ 252 mil, Lindbergh Farias (PT) R$189 mil e Tarcísio Motta (PSOL), R$ 3 mil.

FIM DA FILA

A candidata Dayse Oliveira (PSTU) pode até se habilitar ao Bolsa Família. Há três eleições não declara possuir bens.

VACAS MAGRAS

Pezão e Crivella empobreceram desde a última disputa eleitoral. Em 2010 tinham R$ 271 mil e R$ 739 mil respectivamente

ALCKMIN É O LÍDER NAS PESQUISAS E NAS DOAÇÕES

Doadores de campanha andam confiantes na reeleição de Geraldo Alckmin (PSDB) ao governo de São Paulo. O tucano é disparado o que mais arrecadou dinheiro para sua campanha: R$ 5.738.135,08. Com 55% na pesquisa Datafolha, Alckmin é imbatível até mesmo somando a arrecadação de todos os rivais, no total de R$ 4.739.164,79, cerca de R$ 1 milhão a menos da dinheirama doada à campanha do PSDB.

RIQUINHO

Em segundo nas pesquisas, Paulo Skaf (PMDB) rivaliza com Alckmin na arrecadação para sua campanha: até agora, R$ 4,3 milhões.

PIRES NA MÃO

A arrecadação mixuruca de Alexandre Padilha (PT), no valor de R$ 188 mil, rivaliza com os R$ 151 mil de Gilberto Natali (PV).

MISERÊ

Dos candidatos ao governo paulista, Raimundo Sena (PCO) e Wagner Farias (PCB) até agora não conseguiram arrecadar um só tostão.

MUDOU TUDO

O tracking diário por telefone, com 500 eleitores, levou pânico ontem a uma das principais campanhas presidenciais. Esse levantamento mostrou queda de Dilma, Marina em segundo e Aécio em terceiro.

VAI DAR ZEBRA

Com medo do efeito Marina Silva nas urnas ainda no primeiro turno, o PT já se mobiliza para estimular o racha dentro do PSB, após a morte de Eduardo Campos. O clima entre petistas é de insegurança total.

VICE ERUNDINA

A velha guarda do PSB tenta impor o vice de Marina Silva, a pretexto de fazê-la honrar os compromissos assumidos por Eduardo Campos. Cresceu muito, ontem, a opção pela deputada Luiz Erundina (PSB-SP).

FUTURO INCERTO

Agora presidente nacional do PSB, Roberto Amaral se reuniu com correligionários paulistas para discutir futuro da coligação, após a morte de Eduardo Campos. Amaral mantém suas ressalvas a Marina Silva.

EM FAMÍLIA

O governador do Amapá, Camilo Capiberibe (PSB), o pai senador João Capiberibe e a mãe, deputada Janete Capiberibe, vão neste sábado ao Recife para acompanhar o velório do ex-governador Eduardo Campos.

NA FRIGIDEIRA

O PMDB pressiona o governo para demitir Luiz Carlos Everton Farias da diretoria de ativos de terceiros do Banco do Nordeste, acusado de favorecer a campanha do senador Wellington Dias (PT) ao governo do Piauí. O Ministério Público Federal também está de olho nele.

ERAM FELIZES E NÃO SABIAM

Conselheiros do CNJ já dizem ter saudades do estilo do ministro aposentado Joaquim Barbosa, após decisão de Ricardo Lewandowski (STF) de tornar mais rígidas as regras para autorização de viagens.

ESTÁ NA AGENDA

O PMDB mobiliza prefeitos e aliados para agenda conjunta de campanha à reeleição da presidente Dilma com o vice, Michel Temer, no dia 30 de agosto, no município de Jales, em São Paulo.

LETRA MORTA

Dias depois de Dilma sancionar lei tornando secretas investigações de acidente aéreos, a FAB (que pediu a lei) a ignorou, divulgando tudo sobre o acidente de Eduardo Campos. Revogue-se a lei.


PODER SEM PUDOR

SER OU NÃO SER, EIS A QUESTÃO

O ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos ouviu certa vez uma lição da ministra Eliana Calmon, corregedora do Conselho Nacional de Justiça. Ele defendia Luiz Zveiter, desembargador do TJ do Rio, que a ministra acusava de favorecer uma construtora de Niterói, a Patrimóvel. "O desembargador é amigo pessoal e seu filho é advogado de Plínio Augusto Serpa, dono da Patrimóvel; precisam indícios mais suficientes de favorecimento?", questionou ela. Bastos alegou que Zveiter não poderia ser julgado por "ser amigo". Ouviu a dura réplica da ministra:

- Mais do que "ser", na magistratura é preciso "parecer" (tal qual a mulher de Cesar) e no caso o desembargador não parece nada ético.

 
21 de agosto de 2014

SOMENTE PARA OTÁRIOS

 
21 de agosto de 2014
Ruy Castro, Folha de SP

O HUMOR DO NANI

                              VISIONÁRIO
 

 
21 de agosto de 2014

TIRANIA DO ACASO

 
21 de agosto de 2014
Hélio Schwartsman, Folha de SP

UMA URV PARA OS TRIBUTOS

Proposta de simplificação tributária prevê mecanismo para superar o impasse da distribuição de receitas, que tem inviabilizado todas as reformas

Poucos temas são mais mencionados em campanhas eleitorais e menos levados à frente depois delas do que o da reforma do sistema tributário. Desta vez não está sendo diferente, e as propostas já estão aparecendo.

Uma das mais completas e interessantes, concebida pelo Movimento Brasil Eficiente (MBE), sob a coordenação do economista Paulo Rabello de Castro, promete simplificar o sistema, numa transição ao longo de quatro anos, sem novos tributos e sem alterar a divisão do bolo tributário entre União, estados e municípios — esta a verdadeira razão da eterna frustração das reformas.

Ninguém desconhece as distorções e disfunções do sistema tributário brasileiro. Não se trata apenas da carga tributária excessiva, que rivaliza com a de países ricos e se situa muito acima da vigente em economias de porte semelhante. Os tributos, além disso, são de má qualidade, acentuam as desigualdades de renda, incidindo mais sobre quem pode menos, e ainda afetam negativamente a competitividade econômica.

Se já não bastasse, esses tributos são difíceis tanto de cobrar quanto de pagar. O conjunto de normas tributárias em vigor ocuparia, segundo relata a proposta do MBE, um volume de sete toneladas, com mais de 40 mil páginas gigantes, de três metros quadrados cada uma — um feito digno do “Guiness”. Também é um recorde mundial o total de 2.600 horas anuais gastas por empresas no Brasil com a apuração e o pagamento de impostos.

De acordo com a proposta do MBE, no fim dos próximos quatro anos, os principais tributos atuais seriam concentrados em dois impostos: um ICMS nacional e um novo Imposto de Renda. O primeiro, tributo de valor adicionado, reuniria impostos e contribuições sobre a produção e o consumo, como o próprio ICMS atual. Ele seria unificado e arrecadado pela União — e não mais pelos estados — e distribuído a estados e municípios por critérios automáticos. O outro seria um novo Imposto de Renda, formado pelo atual IR e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), que, ao fim do processo, seria exclusivamente federal.

Na busca da simplificação, a proposta do MBE tem a vantagem de não embarcar na ideia atraente, mas desastrosa, de promover algo como um imposto único, do tipo da saudosa, para muitos, Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). A maior atração de um tributo com essa característica — a simplificação na arrecadação e pagamento —, no entanto, perde longe para as distorções que pode produzir nas cadeias de produção, retirando do sistema tributário sua importante função de induzir crescimento para determinados setores e inibir outros, cujo exemplo padrão é o do fumo.

Todas as tentativas de simplificar o sistema tributário têm esbarrado, principalmente, na disputa entre os entes da Federação pelo poder de cobrar o ICMS, tributo com maior peso isolado no conjunto da arrecadação, acima de 20% do total. Imposto estadual, o ICMS obedece a legislações tributárias diferentes em cada um dos 27 estados, do que resulta uma kafkiana teia de normas e regulamentos. Nesse emaranhado, produtos essenciais podem ser taxados com alíquotas maiores do que bens supérfluos, numa distorção entre as muitas que formam uma rede infindável de absurdos, promotoras de disfunções econômicas e sociais.

A proposta do MBE promete superar esse impasse, que tem inviabilizado todos os esforços de reforma, pela arrecadação e distribuição de verbas por meio de um mecanismo de transferência de recursos capaz de garantir a manutenção da participação de cada estado e município no bolo de arrecadação — chamado de URV Fiscal. A promessa inclui a redução da carga tributária dos atuais 36% do PIB para 30%, em 2022.

Quem sabe não está aí o até hoje nunca encontrado caminho das pedras.

 
21 de agosto de 2014
José Paulo Kupfer, O Globo

O VAREJO SENTE O TRANCO

 
21 de agosto de 2014
Celso Ming, O Estadão

A SAÍDA DA DESCONFIANÇA

Das prioridades para 2015, confiança é a nº 1, até para a economia sair da retranca e partir para o ataque

Com a indústria vivendo seu pior momento, como há muito não se via, e a economia cada vez mais na base de são Tomé, esperando para ver, o que não pode escapar das discussões, neste período eleitoral, é a confiança --um conceito subjetivo, mas sem o qual nem o mais brilhante plano fica de pé.

De todas as prioridades elencadas nessas discussões, a confiança é a necessidade número 1, seja para não queimar o novo governo já na largada, envelhecendo-o precocemente, seja por ter chances de ser recuperada rapidamente, havendo um bom esquema tático. Tão ou mais importante será a renovação da equipe para assegurar o entusiasmo indispensável para superar as dificuldades e chegar à vitória.

A questão é o que fazer para a economia sair da retranca e partir para o ataque. São dois os problemas centrais, ambos correlacionados como irmãos siameses: a trajetória fiscal (ou seja, a evolução das receitas e despesas do governo) e as perspectivas do crescimento econômico. Hoje, mais que os fatores usualmente alegados para o baixo crescimento, como a crise global, o descompasso entre o que o governo arrecada e o que ele gasta retira dinamismo da economia.

A confiança baixa decorre de certo ceticismo a respeito de como desatar o novelo fiscal. Ele vai esmorecendo o crescimento quanto maior a progressão do gasto público em relação à receita fiscal, que, por sua vez, depende da atividade econômica. Noutra forma de encarar tal equação, quanto menos cresce a economia, menor é a arrecadação e maior o endividamento público, que ferve o juro, cujo caldo desarranja o investimento e o consumo.

No atual estágio da restrição fiscal, já não basta eliminar a chamada contabilidade criativa do Orçamento federal, com o governante reconhecendo as desonerações, os subsídios de juros e outros gastos camuflados. Quando a despesa crescia acima da receita, e tem sido assim anos a fio, havia um problema em perspectiva. Mas, se o gasto continua se expandindo com a receita estagnada, há algo muito pior.

Com o nível de custos de todo tipo e origem inflacionando produção e renda, elevar a carga tributária é a não solução, já que está em jogo a mudança do passivo de desconfiança pela crença de empresários, investidores e trabalhadores sobre as perspectivas de crescimento. É essa visão que constrói a confiança.

Deve-se reconhecer que essa não é tarefa fácil pelo tanto que ela foi minada por políticas mal planejadas e mal concebidas. Sabe-se também que boa parte do gasto público é inflexível. Mas é possível gastar menos e com maior eficácia. Na governança pública, por exemplo, sobretudo onde os interesses de governo não se harmonizem com os de Estado, dá para poupar impostos ou empregá-los mais de acordo com os anseios da sociedade. Reaver a autonomia das agências regulatórias, que são órgãos de Estado, e não de partidos, também permite melhorar a eficiência das decisões sobre a economia.

Quando brota o sentimento de insatisfação, como os manifestados sobre saúde, educação e segurança nas sondagens de opinião, é porque a qualidade do gasto público e o papel do regulador não estão à altura do que a sociedade espera em troca do que paga sob a forma de tributo. Vai-se minando assim a confiança, que pode evoluir para o desalento, se a autoridade não se reconhece como parte principal desse processo.

O melhor a fazer é desobstruir os entulhos que entravam o crescimento, tais como o investimento em concessões de logística (essencial para a produtividade da economia) e em petróleo e gás (estratégico tanto para o balanço de pagamentos como para a ignição das cadeias produtivas). É como dominó: tombou-se a Petrobras com o congelamento dos combustíveis e caíram, em seguida, o setor do etanol e outras peças relevantes do circuito produtivo.

Ajuste fiscal e realismo tarifário são avenidas para resgatar a confiança, a antessala do crescimento e das conquistas do emprego e da renda. A inflação pode crescer no curto prazo, mas, ao contrário do cenário atual, terá projeção cadente --e, tanto quanto ela, os juros, o descompasso orçamentário e, portanto, os riscos de carga tributária ascendente e de endividamento em bola de neve.

Com um bom time, muita clareza e firmeza de propósito, a desconfiança sairá de cena, liberando a volta do crescimento.

 
21 de agosto de 2014
Pedro Luiz Passos, Folha de SP

INDÚSTRIA E BUROCRACIA

Somos um país cujo ambiente de negócios se mostra, no mínimo, hostil.

A edição de 2014 do relatório “Doing business” não trouxe surpresa quanto à avaliação do Brasil. Continuamos um país cujo ambiente de negócios se mostra, no mínimo, hostil (116ª colocação de um total de 189 países). E boa parte desse problema se deve à burocracia imposta pelo governo às empresas. Somente a título de ilustração: no Brasil, uma empresa gasta em média 2.600 horas por ano somente para lidar com os trâmites contábeis e burocráticos envolvidos no pagamento de impostos. Não há nada sequer parecido em nenhum outro país. Ressalte-se que não se trata da carga tributária em si, mas da complexidade das regras que soterram os empreendedores com montanhas de formulários e procedimentos.

A redução desses custos deveria ser uma agenda prioritária de política industrial. Mas, muitas vezes, a própria política industrial é a fonte desses custos. Quando digo isso, tenho em mente especificamente a política de conteúdo local no setor de petróleo, mas esse argumento também se aplica a outras iniciativas de fomento à indústria.

Desde a Rodada 7, em 2005, o processo de aferição do cumprimento dos requisitos de conteúdo local passa pela emissão de certificados por entidades credenciadas pela Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Posteriormente, a prestação de contas também deve ser fiscalizada pela agência reguladora do setor. E os requisitos se aplicam a dezenas de itens e subitens que são insumos no processo de exploração e produção de petróleo e gás. Trata-se de procedimentos complexos e que envolvem muita burocracia.

Lembro-me que participei de um seminário sobre a política de conteúdo local no setor petróleo que envolvia funcionários das empresas do setor. Certa hora, um dos apresentadores resolveu fazer um comentário marginal sobre algum aspecto da prestação de contas. De uma hora para outra, o que era um seminário sobre os rumos da política, se transformou em uma longa troca de experiências de como preencher formulários. Horas de trabalho de pessoas altamente qualificadas, um recurso especialmente escasso no caso brasileiro, sendo alocadas para cumprir burocracias.

Em outros artigos já ressaltei a necessidade de alterações na política de conteúdo local no setor de petróleo. Não quero me alongar nos motivos, mas basicamente defendo que a política seja gradativamente atenuada com o passar do tempo. No entanto, me parece absurdo que um volume tão expressivo de investimentos — estamos falando de centenas de bilhões de dólares nos próximos anos — seja realizado sob um regime que envolve esse nível de complexidade e burocracia. Isso por si só já deveria ser suficiente para justificar mudanças na política.

Entretanto, esse não parece ser o caso. Recentemente a Petrobras sinalizou (novamente) que não vai conseguir cumprir os requisitos de conteúdo local da Rodada 7. A resposta da agência reguladora foi taxativa: qualquer mudança será na direção de aumentar as exigências. Aparentemente, seguiremos alocando mal nossos recursos.

 
21 de agosto de 2014
Mauricio Canêdo Pinheiro, O Globo

A REELEIÇÃO E A PETROBRAS

 
21 de agosto de 2014
Rogério Furquim Werneck, O Globo

CHUTE A SANTA, MAS ADORE DILMA

 
21 de agosto de 2014
Reinaldo Azevedo, Folha de SP

A SANGUE QUENTE

 
21 de agosto de 2014
Dora Kramer, O Estadão

CENA RELEVANTE: AÉCIO CHEIRANDO DROGA!

Exiba af684ce3020ca1fc3ba02acb328b0d92.jpg na apresentação de slides
 
21 de agosto de 2014


NÃO ME ESQUEÇAM!!!

 

O senhor Julian Assange, nome meio esquecido ultimamente, está mofando há dois anos num cubículo da embaixada do Equador em Londres.
 
by Patricia Storms, desenhista canadense
by Patricia Storms, desenhista canadense
 
Sabe-se lá por que razão, o gajo decidiu um dia subir ao telhado e gritar ao mundo o que o mundo já sabia. Contou que agências americanas bisbilhotavam a vida e a obra de gente importante e de empresas relevantes. Por malícia ou por ignorância, nada disse sobre agências de outros países.
O primeiro caso de espionagem se deu quando um agrupamento de neandertais sofreu a primeira cisão, indo cada subgrupo morar em caverna própria. A partir do dia seguinte, cada grupo designou emissário para, discretamente, inteirar-se do que estava acontecendo na caverna rival.
E assim continua até hoje. Todos espionam todos. Marido e mulher, pais e filhos, chefes e subordinados, bandoleiros, seitas religiosas, partidos políticos. E, com maior razão, países. Democráticos, comunistas, fascistas, autoritários, liberais, republicanos, monárquicos ― todos os países se espionam entre si. Na medida dos interesses de cada um e, é claro, de suas possibilidades.
 
by Carlos Alberto da Costa Amorim, desenhista carioca
by Carlos Alberto da Costa Amorim, desenhista carioca
 
É altamente improvável que agências americanas sejam as únicas interessadas em abelhudar altas esferas brasileiras. Não precisa ser formado em contraespionagem para imaginar que russos, chineses, argentinos, britânicos, alemães, franceses também tentem colher informações sobre o que se passa em Tupiniquínia.
Bom, eu disse tudo isso para reafirmar que, ao dar com a língua nos dentes, o senhor Assange não disse nada de extraordinário. Todos fizeram cara de espanto e ar de melindre, mas era ― ou deveria ter sido… ― só pra inglês ver.
Depois de dois anos sem botar o nariz fora do imóvel onde se encontra, é compreensível que Assange esteja à beira de um ataque de nervos. Como bom súdito da Coroa, ele sabe que as autoridades britânicas não costumam largar o osso. Uma vez que decidiram negar-lhe salvo-conduto e vigiar a saída da embaixada 24 horas por dia, irão até o fim.
Outro dia, o refugiado bateu um papo telefônico com um jornalista do Estadão. Percebendo que, no Brasil, alguns ainda se lembram dele, decidiu requentar o prato já servido dois anos atrás.
Para botar medo nas autoridades brasileiras ― e tentar, quem sabe, cavar uma oferta de asilo ―, ressaltou o fato de que «os EUA são capazes de cortar o Brasil do resto do mundo em qualquer momento que queiram». É grande o risco de sua advertência cair em ouvidos de mercador.
 
Espião
 
Em primeiro lugar, porque é de conhecimento geral que o grosso das telecomunicações planetárias transita pelos Estados Unidos. Assim é e assim continuará a ser. Não faz sentido instalar centenas de cabos submarinos para ligar o Brasil diretamente a cada país.
Em segundo lugar, porque o refugiado agita espantalho na hora errada. Período eleitoral não é momento adequado para esse tipo de polêmica.
Em terceiro lugar, vem a razão mais importante. O Brasil não precisa de interferência dos EUA para desligar-se do mundo. Nosso governo federal, com a inestimável ajuda dos aspones que cuidam de nossa diplomacia, já está cuidando, faz anos, de apequenar nossa importância na cena planetária. Mais alguns anos, conseguirão.
Thank you anyway, Mr. Assange. Valeu!
 
21 de agosto de 2014
José Horta Manzano

TEMA PARA GENOÍNO

 
21 de agosto de 2014
Luiz Garcia, O Globo

AS MÚLTIPLAS SUCESSÕES DE EDUARDO

São pelo menos três vagas abertas com a morte de Eduardo Campos: a sucessão do candidato presidenciável, do governador de Pernambuco e do presidente do PSB. Vejamos as duas principais.

Paradoxalmente com Marina Silva, abriram-se mais chances de chegar ao segundo turno que Eduardo perseguia. Para decifrar o cenário possível, há que combinar a legislação eleitoral com estratégias políticas.

A lei dá preferência ao PSB para escolher novo candidato. O PSB vai exercer o direito. Mas quem o faz é a maioria absoluta dos órgãos executivos dos partidos da coligação: PSB, PHS, PRP, PPS, PPL e PSL. Provavelmente eles optarão por Marina Silva porque ela tem votos e possibilidades.

Vislumbra-se o segundo turno porque basta somar os cerca de 9% de votos que Eduardo já tinha nestas eleições com os cerca de 12% dos votos que Marina teve nas eleições passadas e os votos que serão conquistados pela emoção nacional. Some-se a isso, ainda, o fato de que Marina deve barrar, com mais facilidade do que Eduardo, o avanço que Dilma tem feito no voto dos evangélicos.

A escolha do novo candidato a vice é feita também por maioria absoluta dos partidos da coligação. Pode vir do PSB ou de qualquer outro. Basta ser filiado. Se for candidato - como Romário, do Rio, ou Rodrigo Rollemberg, de Brasília -, terá que renunciar à candidatura, é óbvio.

Se Marina pretender ampliar sua base em São Paulo, o vice pode vir a ser Márcio França, Walter Feldman ou Luiza Erundina, nomes do mesmo PSB. Se for para o Nordeste, o nome natural seria Roberto Freire, do PPS. Simbolicamente de Pernambuco. Daria inclusive à nova chapa conotação mais à esquerda, de mais nítida oposição à Dilma e ao PT. Outro pernambucano é o ex-deputado Maurício Rands, que só não saiu candidato a governador pela coligação liderada pelo PSB porque não é do núcleo eduardista.

A nova chapa presidenciável tem mais possibilidades de se caracterizar como alternativa ao PT e ao PSDB. Não terá a cautela de disputar o centro dos eleitores, como tentaram Aécio Neves e Eduardo Campos, quase se indistinguindo um do outro.

Já na sucessão de Eduardo em Pernambuco, o cenário é difícil. Armando Monteiro, do PTB, passou os quatro anos de senador indo a todos os municípios. Está em campanha há muito tempo. Político focado, tem hoje mais de 40% de intenções de voto. Mas as pesquisas mostram que mais da metade desses 40% são eleitores que acreditam que Armando é o candidato de Eduardo. Não é. É Paulo Câmara, do PSB, e Raul Henry, de vice, do PMDB.

Eduardo iria usar a propaganda na televisão para desfazer o equívoco. E repetir o que fez na eleição de prefeito - transferir a excelente avaliação como governador para a esperança de bom governo com Paulo Câmara. O desafio agora é: quem vai convencer o eleitor que o candidato de Eduardo era realmente Paulo Câmara, não Armando Monteiro?

Mas a morte de Eduardo é muito mais do que mera e complexa questão de sucessões. Morre com ele um dos possíveis futuros do Brasil. Somos menos. Ficamos menos. Fogem do futuro alguns valores necessários. Talvez o maior de todos seja o da valorização da família como unidade básica da sociedade, com seus problemas, magias, alegrias e tristezas. (Muito além de eventuais indicações de parentes para cargos públicos.)

Do avô Miguel Arraes de ontem ao filho Miguel de hoje, a vida de Eduardo sempre passou pela família. Renata, sua mulher, de personalidade presente, é do melhor de Pernambuco. Participava com evidente solidariedade de objetivos, sonhos, percalços e destinos do marido. Companheira. Política sim, sem nunca ter sido política nem pretendido ser.

A valorização da família, da família hétero e com filhos, tradicional, independentemente dos novos formatos de família, seria com certeza, querendo ou não, uma das principais mensagens ao Brasil. Mensagem palpável pelo exemplo. Casal como permanentes companheiros recíprocos e, ao mesmo tempo, pais a construir um país melhor para seus filhos e os nossos.
Joaquim Falcão, Correio Braziliense

POR BAIXO DOS PANOS


Ao sentir que existe o perigo de o PSB tomar um rumo diametralmente oposto ao traçado por Eduardo Campos em sua campanha, apoiando oficialmente ou em uma aliança branca a reeleição da presidente Dilma Rousseff, sua família não se furtou a definir uma posição a favor da candidatura da ex-senadora Marina Silva à Presidência da República.

Seu irmão, também membro do diretório nacional do partido, disse que a vontade de Campos seria que Marina o sucedesse. O filho mais velho, João, postou no Facebook uma mensagem direta: as bandeiras de meu pai precisam ser levadas adiante.

Quem as representará melhor? Marina, que era sua vice, ou Dilma, que era seu alvo preferencial?

Enquanto a direção nacional do partido, tendo o novo presidente Roberto Amaral à frente, se escudava no luto oficial para adiar a discussão da sucessão, por baixo dos panos as negociações já começaram, especialmente através do ex-presidente Lula, para que o PSB não lance candidato próprio, ou lance um nome de sua base política que não seja Marina, a pretexto de preservar a estrutura partidária.

Na verdade, além do interesse político de recolocar o PSB na base aliada governista, há a preocupação de ala importante da direção nacional da legenda de não perder o controle sobre a máquina partidária. Com a assunção de Marina Silva à condição de candidata oficial do condomínio PSB-Rede, o controle da campanha passará naturalmente para os seus aliados. É Marina, e não qualquer outro político do PSB, que detém hoje uma expectativa de poder altamente avaliada, e por isso os candidatos pelo país afora devem também pressionar a direção nacional para que ela seja a escolhida.

Marina não dará nenhum passo para ser indicada, e terá que ser convidada pela direção nacional dos partidos aliados, na sua maioria já dispostos a apoiá-la. Ela sem dúvida começa a campanha com alto potencial de crescimento, e deverá atrair boa parte dos eleitores que hoje se declaram indecisos, ou dispostos a anular o voto, especialmente os jovens, que já começaram nas redes sociais campanha pela sua candidatura.

Embora se apresente como alternativa ainda mais viável à polarização PT/PSDB, num primeiro momento Marina deve tirar mais votos de Dilma do que de Aécio Neves, mas pode retardar o crescimento dos tucanos. Uma perspectiva radicalmente oposta ao quadro atual, que Eduardo Campos gostava de lançar nas conversas, era a possibilidade de ele ir para o segundo turno contra Aécio Neves, com a presidente Dilma ficando de fora.

Essa hipótese se torna mais possível, embora improvável, com a candidatura de Marina, que acrescenta elementos novos à disputa. A ex-senadora terá, no entanto, mais dificuldades em sua campanha do que teria Eduardo Campos, já que ela não contará com um partido unido a apoiá-la.

O PSB entrará em disputa interna, e também com a Rede, o que é perigoso para uma campanha majoritária. Além do mais, acordos feitos por Eduardo Campos em vários estados poderão desaparecer com uma candidatura Marina. O PMDB do Mato Grosso do Sul, por exemplo, com a candidatura de Nelsinho Trad, de uma família do agronegócio, já anunciou que reverá a aliança.

Em Pernambuco, o PSDB acha que agora tem espaço para polarizar com a presidente Dilma porque Marina não terá um terço dos votos que Eduardo teria, e um eleitorado de oposição ficará em busca de um candidato. Em São Paulo desaparece a campanha para o PSB, pois Marina foi contra a aliança.

Os apoios estruturais, montados com candidatos a deputados, ela não terá em São Paulo, onde foi muito bem votada em 2010. Pode repetir a boa votação na capital, mas no interior a falta de estrutura a prejudicará. Em Santa Catarina, o grupo político dos Bornhausen, que lançou Paulo Bornhausen ao Senado, não tem ligações com Marina e tende a apoiar o candidato tucano à Presidência.

Em Alagoas, Marina se recusava a subir no palanque de Benedito de Lira, do PP, candidato ao governo apoiado por Campos. Em Mato Grosso, o senador Pedro Taques, do PDT, que apoiava Campos, já anunciou que mudará para apoiar a candidatura de Aécio Neves.

Com Marina em campo, como se vê, são muitas as alternativas abertas com a saída de cena de Eduardo Campos, e é impossível prever o que acontecerá. Quem disser, a esta altura, que sabe o que vai acontecer, estará errando.

21 de agosto de 2014
Merval Pereira, O Globo