"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sábado, 2 de abril de 2016

CAMINHO ESTREITO

O fato de ser o senador Romero Jucá a comandar a reunião do PMDB que rompeu com o governo tornou a cena ainda mais caricata. Jucá foi líder dos governos FHC, Lula e Dilma. Ser governista é a sua natureza, assim como a do partido. Para piorar, sentado à mesa, estava o deputado Eduardo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados. Em nome de que ideias se reúne o PMDB?

O que está acontecendo, como disse ontem neste espaço, é a dinâmica de fuga de um governo cadente. E não fogem por virtude. Eles tentam escapar da cena do crime, porque acham que assim se salvam, mas a explicação que dão só poderia ser aceita se o país tivesse um surto coletivo de perda de memória. Os peemedebistas querem convencer o país de que não estiveram onde estiveram, não foram sócios do poder, não sustentaram as mesmas medidas.

A cena de ontem lembra um outro momento da história política. Em 1984, ao fim do regime militar, e depois de servi-lo fielmente por toda a ditadura, o senador José Sarney abandonou a presidência do PDS, partido do governo, e fez uma encenação de que estava sendo perseguido pelo regime. Apesar de tudo, o final da história o favoreceu: ele foi para o PMDB e virou presidente.

Na verdade, estão todos nos pedindo que apaguemos os arquivos da memória. O governo, com a ladainha de que há um golpe em andamento e que a democracia está ameaçada por um novo ciclo autoritário, quer trazer de volta um fantasma no qual só eles acreditam ou fingem acreditar. Tentam impor um medo sem qualquer base achando que assim reavivam um trauma do Brasil.

Até fatos recentes, as pessoas públicas quer que esqueçamos. O ministro Nelson Barbosa foi ontem ao Congresso defender o déficit público como algo bom para estabilizar a economia. Ao falar dessa sua crença na capacidade milagrosa do déficit, o ministro explicou que ele é resultado de dois problemas: o aumento forte das despesas obrigatórias e a queda das receitas a partir de 2010. Ora, quem estava no governo em 2010? E quem nos anos seguintes não adotou qualquer medida para resolver o problema? Pelo contrário, o governo Dilma ampliou subsídios e isenções num período de queda da receita. E nada fez para enfrentar o aumento das despesas obrigatórias. Os dois gráficos exibidos pelo ministro mostram o desgoverno — do qual ele fez e faz parte — que nos conduziu à pior recessão da nossa história e à grave crise fiscal que o país atravessa.

O governo Dilma acabou. Nenhum governo se sustenta com índice tão alto de rejeição, depois de mergulhar o país numa crise da qual não sabe como tirar, diante de acusações de corrupção tão graves como as que estão sendo divulgadas e no meio de uma debandada da sua base parlamentar.
A contradição é que o partido que se apresenta como sucedâneo é o sócio do mesmo governo, parceiro nas mesmas transações, co-piloto das mesmas políticas. Evidentemente não é crível como opositor ao governo do qual ainda sequer se desligou.

Do ponto de vista da defesa de novos valores, ontem foi também um dia emblemático. Voluntários entregaram ao Congresso dois milhões de assinaturas em uma proposta de medidas contra a corrupção. Elas foram colhidas em todos os estados cumprindo o percentual de cada unidade da federação estabelecido pela Lei. Foi um ano de campanha em que pessoas do país inteiro se mobilizaram para convencer pessoas de que aquelas ideias poderiam ajudar o país.

A proposta das dez medidas nasceu no Ministério Público Federal de Curitiba após o estudo de casos de países que tiveram sucesso no combate à corrupção. Este não é, claro, um problema só brasileiro. Muitos países, no entanto, conseguiram subir vários degraus na escala da Transparência Internacional. Foi a partir de medidas que deram certo em vários países que se fez a proposta que chegou ontem ao Congresso como projeto de iniciativa popular.

O momento é de extrema gravidade. Não há solução boa no curto prazo, mas é em iniciativas como esta, das dez medidas, que deve repousar nossa esperança. Uma esperança cansada, admito, mas este é o sentido da mudança que devemos perseguir, por mais estreito que seja o caminho. Foi em nome destas ideias que se reuniram dois milhões de assinaturas num tempo breve.


02 de abril de 2016
Miriam Leitão, O Globo

TEMER, LULA E O PÓS-DILMA

Com o rompimento do PMDB, o foco sai da presidente Dilma Rousseff e passa para o vice Michel Temer, já que o impeachment ganhou ímpeto e tem até um “deadline”: a chegada da tocha olímpica ao Brasil, prevista para meados de maio. A intenção é gerar um ambiente de festa, congraçamento e recomeço – com um novo governo para mostrar ao mundo.

Quanto mais Dilma representa o passado, mais Temer passa a personificar o futuro, para o bem e para o mal. Para o bem, porque o vice sonha entrar para a história como o presidente da transição que reconduziu o País aos trilhos. Para o mal, porque ele vai atrair, junto com montanhas de adesões, também os raios e trovoadas do PT.

Se o discurso do PT e do governo é de que está em curso “um golpe” contra a democracia, agora é hora de dar cara, voz, cor e partido a esse “golpe”. É por isso que o líder do governo na Câmara, José Guimarães (PT), acusa Temer de “chefe do golpe” e o líder no Senado, Humberto Costa (PT), ameaça: se Dilma for destituída, Temer “seguramente será o próximo a cair”.

É a estratégia do medo, enquanto o Planalto troca as negociações partidárias (no “atacado”) por cooptação deputado a deputado (no “varejo”). Ambas – o medo e o varejo – são de altíssimo risco e de resultados incertos porque, quando a onda encorpa, ninguém segura.

Com o rompimento do PMDB, o cálculo de governo e oposição é que os partidos da base aliada vão debandar. O PSB já se foi e, aliás, fez um programa de TV duríssimo contra o governo na semana passada. O PRB também já vai tarde, apesar de a Igreja Universal do Reino de Deus ter lá seus interlocutores com o Planalto. O PSD libera os correligionários para votarem como bem entenderem. O PP e o PR serão os próximos.

Dilma acha que, além de comprar um voto daqui outro dali no Congresso, é capaz de se sustentar graças aos movimentos sociais alinhados com o PT. Eles vão às ruas agora para gritar contra “o golpe” e são uma ameaça a um eventual governo Temer – como, de resto, a qualquer composição que substitua Dilma e exclua o PT. Isso, porém, depende muito menos de Dilma e do governo e muito mais de Luiz Inácio Lula da Silva.

PT, CUT, UNE, MST... não vão às ruas por Dilma, mas sim por Lula e o que ele chama de “nosso projeto”, ameaçado pela Lava Jato e pela quebradeira da Petrobrás, mas principalmente pelo desastre Dilma, que desestruturou de tal forma da economia a ponto de, como informou o Estado, fechar 4.451 indústrias de transformação num único ano, 2015, e num único Estado, São Paulo, gerando milhões de desempregados. Não foi à toa que em torno de 400 entidades publicaram um contundente anúncio nos jornais de ontem clamando pelo impeachment.

Aí chegamos a Lula e à conversa que ele teve com o vice Michel Temer em São Paulo, em pleno Domingo de Páscoa. Lula não iria a Temer mendigar uma reviravolta do PMDB ou o adiamento da reunião que selou o fim da aliança com o Planalto. Mas Lula iria ao vice, sim, fazer uma avaliação dos cenários (inclusive o de Dilma fora, Temer dentro) e discutir um pacto de convivência que, em vez de destruir a transição com Temer, possa construir uma chance para o PT em 2018. De forma mais direta: Lula e o PT sabem que Dilma está perdida e já discutem o “day after”. Partir para um guerra com Temer em que ninguém sobreviveria ou selar uma trégua para uma recomposição de forças políticas e a recuperação da economia?

Para todos os efeitos, Lula está empenhado ao máximo em salvar Dilma. Na prática, está se mexendo para nem ele nem o PT morrerem com ela. Isso passa por um acordo com Temer e pode chegar a uma ordem de comando para, no caso da posse do vice, o exército vermelho sair das ruas e ficar apenas de prontidão.


02 de abril de 2016
Eliane Cantanhede, Estadão

VEXAME

A presidente Dilma certamente não fez uma reflexão mais detida sobre o que poderiam ser as consequências do convite ao Corpo Diplomático para o encontro com juristas

Passou algo despercebido, nos últimos dias, o sentido mais amplo de insólita iniciativa tomada pela presidente da República. Refiro-me à convocação do Corpo Diplomático em Brasília para assistir ao evento denominado “Encontro com Juristas pela Legalidade da Democracia”. Na ocasião, a presidente expôs sua visão dos presentes acontecimentos e alinhavou argumentos contra o que considera ser um “golpe” e séria “ameaça à democracia”, capaz de “deixar profundas cicatrizes na vida política brasileira”. Compareceram ao evento, ao que consta, cerca de três dezenas de embaixadores e encarregados de negócios.

Embora em outro nível hierárquico — e certamente agindo à revelia do próprio governo —, dias antes um diplomata tomara a iniciativa de enviar aos postos no exterior reiteradas instruções no sentido de que fizessem ampla divulgação, junto à sociedade civil local, de denúncias sobre a “tentativa de golpe” que supostamente estaria a ocorrer no Brasil. Esse anedótico episódio não mereceria menção se não fosse sintomático do afã do governo e seus simpatizantes em projetar para fora do país a visão conspiratória que armou em sua defesa contra o impeachment.

Ambas as iniciativas vieram evidenciar como a linha de defesa contra o impeachment adotada pela presidente e pelas forças políticas que a apoiam extrapola significativamente os limites do cabível no que diz respeito à preservação da imagem do país aos olhos da comunidade internacional, acarretando prejuízos para nossos interesses tanto em questões de política externa quanto nos campos econômico e financeiro. E isto no momento em que o processo de devastação de nossa economia ora em curso, ao impacto dos erros cometidos pelo governo, já abala fortemente a credibilidade do país.

A presidente Dilma certamente não fez uma reflexão mais detida sobre o que poderiam ser as consequências do convite ao Corpo Diplomático estrangeiro. O evento constituiu espetáculo de autoflagelação. Flagelação da imagem do país, mas também autoflagelação da própria presidente.

Não se tem notícia, na história de nossas numerosas crises políticas, de situação em que o próprio chefe de Estado e de governo tenha recorrido a semelhante iniciativa, em esforço de angariar simpatia e apoio de governos estrangeiros para sua posição política. Uma posição que, deve a presidente saber em seu íntimo, não se coaduna com a realidade dos fatos, como atestam o correto funcionamento das instituições de Estado — Judiciário, Ministério Público, Polícia Federal — e enfáticas declarações de membros do STF mostrando a completa legalidade do processo de impeachment.

O gesto da presidente valeu-lhe declarações de apoio por parte de três ou quatro governos “bolivarianos”, desde logo profundamente gratos ao ex-presidente Lula por seu denodado apoio aos projetos autoritários e até ditatoriais por eles encetados.

Essas manifestações “bolivarianas” já tiveram o efeito de colocar o Brasil na vexatória posição de estar sujeito a sanções, sob a égide da cláusula democrática do Mercosul. Mesmo o novo governo argentino, que teve a lucidez de não associar- se às declarações “bolivarianas”, veio a público, pela voz de sua chanceler, para expressar preocupação com o que aqui ocorre, e dizer que não exclui a hipótese de alguma manifestação contra o alegado risco de “golpe”. Constituirá inenarrável humilhação para o Brasil eventual manifestação de nossos vizinhos que endosse, explícita ou mesmo implicitamente, os argumentos expostos pela presidente.


No que diz respeito à maioria dos outros governos, contudo, o episódio redundará em desprestígio e perda de credibilidade. Caso, com efeito, sobreviva ao processo de impeachment, a presidente Dilma, ao longo de todo o restante de seu mandato, não será levada maiormente a sério em encontros bilaterais ou em reuniões e conferências multilaterais. Mas o Brasil, de sua parte, perde desde logo por conta do impacto negativo da atitude da presidente sobre o espírito de governantes estrangeiros, empresas, bancos, investidores, agências de rating e outros atores. E, no mesmo compasso, veem-se prejudicadas a seriedade e a confiabilidade de nossa política externa.

Oxalá não passe pela cabeça do governo instruir nossas embaixadas a veicularem no exterior aquilo que foi dito no citado encontro de juristas com a presidente. O Itamaraty não pode ser rebaixado ao ponto de servir de veículo para uma iniciativa em tal sentido.

02 de abril de 2016
Roberto Abdenur é embaixador aposentado, O Globo

A FARSA DO "GOLPE" CONSTRUÍDA PELO LULOPETISMO

Aceitar a tese de que seria ilegal o afastamento de Dilma, por meio da Justiça, é admitir que o Supremo participaria de uma ação de cunho político contra princípios constitucionais

Na estratégia de defesa e nas ações de agitação e propaganda de um PT e de uma presidente acuada no Planalto, a palavra “golpe” ganha grande relevância. “Golpe” é curto, fácil de pronunciar e adequado para ser gritado em manifestações — mas nada tem a ver com a crise política por que passa o país, na qual estão atolados PT e Dilma, e muito menos com o processo de impeachment da presidente em tramitação na Câmara.

O partido se encalacra a cada avanço da Lava-Jato, e ontem a presidente sofreu derrota emblemática, com a formalização pelo PMDB da saída da base do governo. Deve puxar uma fila de novas defecções, porque político, em geral, não gosta de ser sócio de derrocadas.

À medida que a campanha pelo impedimento crescia e o juiz Sérgio Moro, com a força-tarefa da Lava-Jato, se aproximava do ex-presidente Lula, a militância criou termos paradoxais, como “golpe constitucional”. Ora, se é golpe, não pode ser constitucional.
PT e aliados marcaram para amanhã, 31 de março, manifestações em defesa do governo e, por óbvio, farão referência ao golpe dado pelos militares, apoiados pelas classes médias e alta, há 52 anos.

Pura manipulação, porque o Brasil de 2016 nada tem a ver com o de 1964. A Lava-Jato, em que atuam de maneira coordenada a Justiça, o Ministério Público e a Polícia Federal, trabalha sem atropelos constitucionais. E quando a defesa considera haver alguma ilegalidade, recorre às devidas instâncias judiciais. Se não tem conseguido muitos êxitos, é pela solidez das provas e argumentos do juiz Sérgio Moro. Equivocam-se, então, os que enxergam uma conspiração antidemocrática no combate à corrupção.

Já o processo de impeachment de Dilma, por sua vez, transita pelas instituições sem atropelos. Em 64 seria diferente. Acreditar no conto da carochinha do “golpe” é aceitar como verdadeiro o conluio do Supremo numa operação para defenestrar ilegalmente Dilma do Planalto. Só numa alucinação. Vários ministros da Corte já negaram esta ideia tresloucada: seu presidente, Ricardo Lewandowski, Cármen Lúcia, Luís Roberto Barroso, Celso de Mello. Prova irrefutável da institucionalidade do impeachment é que seu rito foi estabelecido pelo próprio STF, com base naquele seguido contra Collor, em 1992.

Em 1964, houve ruptura institucional, com o atropelamento, pelos militares, das instituições. O golpe farsesco convence apenas desinformados e ingênuos, serve tão-somente aos mal-intencionados — estes, sim, golpistas — que desejam envolver numa espessa nuvem de fumaça as provas e evidências de grossa corrupção que envolve quadros petistas.

Aceite quem quiser que políticas de supostos benefícios aos pobres podem justificar a roubalheira. Não num país com instituições republicanas sólidas.



02 de abril de 2016
Editorial O Globo

NAVIO FANTASMA

Nem uma estratégia de sobrevivência a presidente Dilma parece capaz de adotar; Por ora, dedica-se a repetir a seus devotos que “não vai ter golpe”

Com o desembarque do PMDB, o governo Dilma se transforma em navio fantasma. Sem timoneiro, sem mastros, sem lanterna de popa, transforma-se em massa informe e passiva, ao sabor do vento e das ondas.

Nem uma estratégia de sobrevivência a presidente Dilma parece capaz de adotar. Por ora, dedica-se a repetir a seus devotos que “não vai ter golpe”, como se o que está por acontecer seja realmente um golpe e como se bastasse recitar esse mantra para afastar o pior.

Os ataques indiscriminados à Justiça e ao Ministério Público sugerem que a presidente Dilma tem uma concepção confusa do que seja a independência dos Três Poderes e dos valores republicanos. Começou por dizer, em junho de 2015, que não respeita delator, esquecida de que foi ela própria quem promulgou a lei da delação premiada. Continuou por afirmar que a Operação Lava Jato trabalha com alvos seletivos, sem dar-se conta de que ela esteve entre os que pretendiam que o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, fosse alvo prioritário - e, portanto, também seletivo - do juiz Sérgio Moro.

Para arrancar os 172 votos de que precisa na Câmara, Dilma se dedica agora a garimpar políticos dispostos a aceitar cargos no governo em troca de apoio contra o impeachment, que recompusesse, assim, parte da base perdida com a defecção desta terça-feira, tendo em conta que nem todos os políticos do PMDB pularam fora.

Se conseguir safar-se, o que parece improvável, o que seria seu governo nos dois anos e pico que lhe sobrariam do atual mandato? Com que munição política conseguiria governar? E, mais importante, até que ponto o PT seguiria disposto a apoiar sua presidenta que refuga tão veementemente suas propostas de política econômica?

As posturas contraditórias complicam tudo. A presidente Dilma mostra-se, às vezes, interessada em negociar, mas, ao mesmo tempo, ataca quem poderia ajudá-la. E, entre os políticos, passou a ser conhecida como quem é incapaz de respeitar acordos.

As coisas ainda poderiam ser mais fáceis se a presidente Dilma admitisse seus erros, tanto na condução da política econômica quanto na condução das operações políticas. Mas ela não se mostra nunca disposta a pedir desculpas e a recomeçar em novas bases.

A hipótese de troca de governo, cada vez mais provável, não clareia o entorno. A primeira reação poderia ser de entusiasmo do mercado financeiro e dos agentes econômicos, mas há uma enorme e dolorosa conta a apresentar à população. O governo já admite que a queda do PIB deste ano será de 3,1%. É inevitável que a renda per capita caia em torno de 10% no biênio 2015 -16. O desemprego vai para mais de 10% da força de trabalho. As contas públicas estão em frangalhos, como se viu nesta terça-feira com a divulgação do relatório fiscal. A dívida bruta avança para os 80% da renda média do brasileiro. A indústria está em processo de desmanche. A Petrobrás, à beira do colapso.

As semanas seguintes à provável substituição de comando no governo, qualquer que seja ele, tenderiam a continuar fortemente conturbadas. E, além do mais, continuariam sob a influência de antigas e novas revelações da Operação Lava Jato.



02 de abril de 2016
Celso Ming , Estadão

NOMEAÇÃO ILEGAL

A solução proposta pelo Procurador-Geral da República, Rodrigo Janot, aparentemente salomônica, permitindo que o ex-presidente Lula assuma a Chefia do Gabinete Civil do ministério de Dilma, mas sem foro privilegiado, permanecendo os processos contra ele na jurisdição do Juiz Sérgio Moro, é simplesmente ilegal segundo diversos juristas.
O deputado federal Raul Jungman, do PPS, entra hoje na Procuradoria-Geral da República com uma ação de prevaricação contra a presidente Dilma, baseado justamente na análise de Janot, que admite que a intenção da presidente era obstruir a Justiça.
Janot atribui ao ato um “desvio de finalidade” para “influenciar as investigações”. .De acordo com um especialista, o Ato Administrativo deve preencher os seguintes requisitos: Competência, Objeto, Finalidade, Forma e Motivo. Desses requisitos, três são vinculados (Competência, Finalidade e Forma) e os outros 2 são discricionários (objeto e Motivo).
Se o Ato Administrativo estiver viciado em algum de seus elementos obrigatórios (vinculados), ele é nulo de pleno direito. Quanto aos elementos discricionários, embora não sejam obrigatórios, se forem explicitados no ato, passam a vinculá-lo (Teoria dos Motivos Determinantes).
No caso da nomeação do Lula, a competência da Presidente da República é cristalina e o próprio Janot admite isso no Parecer. A forma também é inquestionável. Mas, quanto à finalidade, que também é elemento essencial do ato administrativo, Janot admite que houve desvio de finalidade, um vício insanável. Portanto, a conclusão é clara: a nomeação do Lula é nula.
Já o ministro do Tribunal Superior do Trabalho Galba Velloso, autor do livro “Desvio de Poder”, da Editora Malheiros, afirma que o Procurador-Geral da República, ao admitir a possibilidade de Lula ser Ministro e continuar sob a jurisdição comum “está completamente equivocado”.
O ato da Presidente da República é nulo por desvio de poder, e não se pode fatiá-lo admitindo a nomeação e negando o foro. “Ele não pode ser Ministro em virtude do desvio de finalidade praticado e por isso não pode ter foro privilegiado”, ressalta o ministro Velloso.
Ele lembra que o excesso de poder tem duas formas, o abuso de autoridade, quando esta vai além de sua competência, e o desvio de finalidade, quando, embora dentro de sua competência, a autoridade declara um motivo de finalidade pública ocultando um objetivo diverso.
“A Presidente pode nomear o Ministro que quiser, dentro da lei. Mas não está dentro da lei nomear alguém Ministro para escapar do Juiz que teme e escolher quem deve julgá-lo”, ressalta Velloso
Tanto o abuso de poder, como faltar ao cumprimento do dever por interesse ou má-fé, são definições de prevaricação, que é a acusação que o deputado Raul Jungman fará contra a presidente da República.
O ministro Teori Zavascki está cuidando do caso no Supremo em duas instâncias: na parte cível, pediu informações ao Procurador-Geral para decidir sobre uma ADPF (Arguição de descumprimento de preceito fundamental) que visa suspender a nomeação de Lula. Como já existe uma liminar em mandado de segurança com o mesmo efeito, a questão será resolvida no mérito pelo plenário do STF.
Na parte criminal, o Juiz Sérgio Moro e o Procurador-Geral foram também consultados, para saber se há indícios de que a presidente Dilma tentou obstruir a Justiça ao nomear o ex-presidente para seu ministério. O Advogado-Geral da União, José Eduardo Cardozo, disse que não há nada de ilegal na conversa, que considerou "republicana".
O Procurador-Geral já admitiu que houve, sim, essa tentativa de obstrução, e o Juiz Sérgio Moro, além de pedir desculpas pela polêmica que causou ao permitir a divulgação do áudio da conversa da presidente Dilma com o ex-presidente Lula, manteve sua convicção de que houve no caso pelo menos uma tentativa de obstrução da Justiça.
Disse que autorizou a divulgação “atendendo o requerimento do MPF, dar publicidade ao processo e especialmente a condutas relevantes do ponto de vista jurídico e criminal do investigado do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que podem eventualmente caracterizar obstrução à Justiça ou tentativas de obstrução à Justiça”.
Moro, embora cite objetivamente o ex-presidente Lula quando se refere à obstrução da Justiça, tenta se defender em relação à presidente, e insinua que ela também pode ter atuado nesse sentido, afirmando que “não parece que era tão óbvio assim que também poderia ser relevante juridicamente para a excelentíssima presidenta da República”.


02 de abril de 2016
Merval Pereira, O Globo

TENTATIVA DESESPERADA COM O VELHO FISIOLOGISMO

Governo vai para a troca de cargos por votos, agora contra o impeachment, com o objetivo, que pode ser frustrado, de impedir novas debandadas

Consumada a formalização da saída do PMDB da base do governo, nos três minutos da reunião-relâmpago realizada anteontem no Congresso, o ministro-chefe da Casa Civil, Jaques Wagner, logo definiu o novo momento do Planalto como de “repactuação”. Quer dizer, de redistribuição dos postos desocupados pelo PMDB entre aliados, para que permaneçam apoiando a presidente Dilma.

Parece manobra fadada ao fracasso. Afinal, a constelação de pequenos partidos talvez não tenha condições de compensar, em plenário, a migração de votos que seguirão os peemedebistas para dar sustentação ao impeachment.

Atrás do PMDB, ou de parte dele — o partido, sabe-se, tem como característica fazer apostas múltiplas — já foi o PSB, o PP ameaça fazer o mesmo, e por aí se vai. É visível que hoje o poder de sedução de um possível governo Temer está na praça. Mesmo que amanhã não venha a ser aprovado o impeachment da presidente Dilma.

Ela, enquanto insiste no discurso vazio de que o processo de seu impedimento é “golpe”, já exercita o jogo do toma lá, dá cá do fisiologismo, a fim de manter aliados no Congresso e garantir o mínimo de 172 votos para impedir o impeachment e/ou ausências de deputados em plenário que impeçam a oposição de somar os 342 votos correspondentes a dois terços da Câmara, requeridos para a aprovação da demissão da presidente pela Casa.

Com a debandada do PMDB, estima-se entre 500 e 600 o número de cargos à disposição do Planalto para praticar esta rodada de fisiologismo. Há, nessa barganha, preciosos gabinetes de ministros, e isso deve dar um razoável poder de barganha ao Planalto.

A prática do fisiologismo não é novidade nos governos petistas. Trata-se de “tecnologia” dominada, desde o primeiro governo Lula, quando ministérios foram doados a partidos como capitanias hereditárias, ao mesmo tempo em que a máquina pública era aparelhada por companheiros. (Em 2014, com a Lava-Jato, começou-se a ter a dimensão dos estragos que esta política havia causado à Petrobras e ao país).

A própria Dilma tentou fazer uma faxina no Ministério, no seu primeiro governo, cuja equipe inicial foi escolhida com a assessoria do ex-presidente Lula. Logo mais adiante teve de voltar atrás e recolocar em ministérios esquemas políticos que havia afastado naquele surto de limpeza ética.

A presidente não é portanto neófita no ramo do fisiologismo. Infelizmente, o toma lá, dá cá — cargos em troca de votos contra o impeachment — degradará ainda mais a qualidade já baixa dos serviços públicos.

A Saúde é um exemplo, por ter sido entregue ao deputado peemedebista Marcelo Castro quando o país começava a ser atingido pelo surto de zika, motivo de preocupação mundial. Às favas com a população. É sempre este o lema que acompanha o fisiologismo.



02 de abril de 2016
Editorial O Globo

AS AMEAÇAS DE DILMA

Há 52 anos o país acordou em um pesadelo que permaneceu conosco por 21 anos. É este fantasma que o governo tenta usar para amedrontar os brasileiros. A presidente Dilma Rousseff, ao falar no Palácio do Planalto que se prepara um golpe, deu a senha para que a farsa fosse utilizada em defesa do governo até pelas estruturas do Estado brasileiro.

E Dilma passou a dizer isso toda vez que tem plateia espontânea ou convocada. Alguns defensores do governo usam por má fé a tese do golpe. Outros, sobretudo os mais jovens, acreditam estar vivendo tempos heroicos em que é preciso resistir aos “golpistas”. Diante do funcionamento das instituições e da inexistência de qualquer movimentação militar, a tese é totalmente falsa, mas é repetida por falta de argumentos. O efeito dessa declaração da mais alta autoridade brasileira é extremamente deletério. A presidente invoca seu passado de militante para assegurar aos mais jovens que é isso mesmo que se está vivendo no Brasil, quando o que ocorre é a falência do seu governo por inépcia.

Os dados trazidos ontem pela CNI-Ibope não deixam dúvida do alto grau de rejeição do seu governo. A grande piora na avaliação da presidente Dilma entre as famílias que tem renda de até um salário mínimo aconteceu logo após as eleições. Foi nos três primeiros meses que sua aprovação mergulhou numa queda livre. Isso sugere que eles perceberam uma diferença grande entre o cenário que foi veiculado pela propaganda petista e a realidade que o país enfrentou nos meses seguintes à reeleição. É o custo extra de uma propaganda que não se sabe até hoje a que preço foi contratada.

Se em dezembro de 2014 apenas 10% dos entrevistados nessa faixa de renda consideravam o governo péssimo e 7% o avaliavam como ruim, em março de 2015 o percentual de péssimo já havia subido para 47% e o de ruim para 13%. Ou seja, o grupo de pessoas com rendimento de até um salário mínimo que consideram o governo ruim ou péssimo saltou de 17% para 60% em apenas três meses e vem se mantendo nesse patamar até a pesquisa divulgada ontem. Nesse grupo, 76% desaprovam a forma de Dilma governar. Entre os entrevistados na região Nordeste, o percentual de ruim e péssimo está em 54%. Entre os que têm baixa escolaridade, 60% acham seu governo ruim e péssimo. A base da pirâmide social que ela alega estar defendendo a rejeita. Por que será?

É pela mesma razão que outras regiões e outras classes sociais a criticam. Dilma vendeu um país cenográfico na eleição, para esconder os sinais da ruína econômica que produziu; manipulou o preço da energia e deu um tarifaço logo após o fechamento das urnas; produziu a pior recessão da nossa história. Além disso, seu governo está envolvido num gravíssimo caso de corrupção.

O que a presidente argumenta é que não cometeu crime de responsabilidade, portanto não poderia estar respondendo a um processo de impeachment. Na verdade, as suas manobras fiscais que ficaram conhecidas pelo nome de “pedaladas” infringiram sim a Lei de Responsabilidade Fiscal. Para piorar o quadro, vieram as denúncias de dinheiro de origem não esclarecida em sua campanha ou delações como a do senador Delcídio, que até dezembro passado era o líder do seu governo.

A presidente pode e deve usar todo o amplo direito de defesa. Ela tem a seu favor o fato de que com uma minoria de deputados, de apenas 171, pode parar o processo. O Supremo Tribunal Federal estabeleceu o rito de impeachment e estará pronto a corrigir qualquer erro cometido. O que ela não pode é inventar um golpe inexistente e pôr em dúvida a democracia brasileira que foi tão dolorosamente conquistada.



02 de abril de 2016
Miriam Leitão, O Globo

A MÉDICA QUE DISPENSOU O FILHO DA PETISTA

Quando li a notícia sobre a médica que se recusou a atender uma criança porque a mãe dela era do PT, fiquei revoltado. ´E o Juramento de Hipócrates!´, pensei, olhando para o Leste, na direção de onde suponho que se esparramem as ilhas gregas. ´O que Esculápio, Hígia e Panaceia pensarão disso?´.
Pior: o presidente do Sindicato dos Médicos, Paulo de Argollo Mendes, disse que a médica estava certa em se negar a prestar atendimento. ´Por favor!´, ralhei, ainda pensando na ética da velha e sábia avó Grécia. ´Nem se Hitler estivesse precisando de atendimento, o médico poderia recusar!´.

Continuei com minhas exclamações, até que entrevistamos o presidente do Sindicato, ontem, no Timeline da Gaúcha.

Paulo de Argollo explicou que a médica não se negou a dar atendimento a uma emergência, nem veta petistas em geral, mas aquela em particular. O que ela fez foi solicitar aos pais da criança para que trocassem de pediatra, porque não aguentava mais a conversa deles durante as consultas.

Bem... Nesse ponto, comecei a entender a médica.

É que todo sectário é um porre, seja qual for o dogma. Eles estão sempre prontos para a briga, e gente sempre pronta para a briga é extremamente aborrecida.

Reparem no atual slogan dos petistas: ´Não vai ter golpe, vai ter luta´.

Luta?

Contra quem eles vão lutar? Será guerra civil, é isso? Vai haver distribuição de armas nos diretórios do PT? Ou será só o exército do Stédile que vai para a frente de batalha?

Luta, luta, eles estão sempre em luta. José Dirceu é o ´guerreiro do povo brasileiro´, André Vargas desafia o STF erguendo o punho fechado, eles se acham Espártaco enfrentando as legiões de Crasso em defesa da liberdade dos escravos, Zapata liderando os camponeses contra a tirania de Porfírio Diaz, Marx aconselhando os proletários do mundo a se unirem. O sonho deles é travar a luta de classes. Combater o bom combate, como disse Paulo.

Que babaquice.

Sim, existem explorados e exploradores, negros e brancos, ricos e pobres, empresários e proletários, sim, mas o mundo não está dividido apenas entre explorados e exploradores, negros e brancos, ricos e pobres, empresários e proletários. O mundo é mais sofisticado, a sociedade é mais complexa e o Brasil, felizmente, é mais variado e complicado do que qualquer fórmula maniqueísta.

Antes era mais fácil: você era contra a ditadura ou a favor da ditadura. Ponto.

Agora é preciso pensar um pouco. Quem é contra o governo do PT não é necessariamente tucano, nem simpático a Bolsonaro, nem entusiasta do futuro governo Temer. Quem considera o Bolsa Família um bom programa não é necessariamente petista. Quem é contra o aparelhamento do Estado pelo governo não é necessariamente a favor do Estado mínimo. E quem é petista não é necessariamente um chato. Mas, neste momento de ânimos espinhados, há de se reconhecer que os petistas transformaram-se em pessoas especialmente chatas.

Se você se afasta de uma pessoa de quem não gosta, você está sendo saudável; se você se aproxima, procurando o confronto, você está com problemas sérios.

Uma médica não querer atender um paciente por ele ser de determinado partido ou ter determinada opinião é totalmente reprovável. Uma médica não querer atender um paciente que a incomoda é totalmente compreensível. Importunos de todo o mundo: vade retro.



02 de abril de 2016
David Coimbra, Zero Hora

LEMBRANÇAS DE "MANI PULITE"

No começo dos anos 1990, na Itália, um grupo de magistrados milaneses (o mais popular foi Antonio di Pietro) tentou acabar com os esquemas de corrupção (antigos e tradicionais) que ligavam empresários, financistas e políticos.

Esse sistema viciado enchia os bolsos dos políticos (pessoas físicas) e financiava os partidos com comissões que as empresas pagavam para ganhar contratos públicos.

Anos antes, Sandro Pertini, presidente da República (honesto), declarara que um político deveria sempre ter as mãos limpas ("le mani pulite"). A expressão ficou e voltou em 1992, para batizar a "operação" dos magistrados milaneses.

Naquela década, eu vivia entre o Brasil e os EUA, mas visitava regularmente meus pais e meu irmão em Milão —por isso mesmo, minhas impressões daqueles anos são sobretudo o reflexo dos anseios e dos medos de meus familiares, que estavam lá, na Itália.

Já nos anos 1980 e antes (pela podridão do "milagre italiano", que reconstruiu o país depois da Segunda Guerra Mundial), havia uma tremenda desconfiança dos italianos diante da política tradicional.

Salvavam-se só os comunistas. Mas isso talvez fosse uma ilusão de óptica produzida pela minha própria história de militância. Ou pelo fato de que os comunistas ficaram quase sempre longe do poder executivo nacional.

O fato é que, para o italiano médio, qualquer governo roubava e roubaria. Os brasileiros não pensariam (não pensam) muito diferente: o grito "Roma ladra" poderia facilmente ser traduzido, ainda hoje, como "Brasília ladra".

A partir de "Mani Pulite", em 1992, ganharam espaço um movimento antimáfia e anticorrupção (fato curioso: ele se chamava "La Rete", a rede), e um movimento de direita do qual Bolsonaro, Feliciano e companhia gostariam (a Liga Norte).

De qualquer forma, a opinião pública estava, forte e unida, com o Ministério Público e com os juízes.

Pipocavam escritas nos muros de Milão: "Di Pietro, não volte atrás! Não perdoe!". De uma, em particular, me lembro bem —a que eu li estava num muro de tijolos, talvez na parte externa da Universidade de Milão: "Di Pietro, facci sognare" (Di Pietro, faça a gente sonhar).

Era isso mesmo, os italianos sabiam que aquilo seria, ao menos em parte, um sonho.

Os inimigos naturais de "Mani Pulite" se oporiam de todas as maneiras possíveis. De 1992 a 1996, políticos tradicionais e empresários desonestos lutaram para sujar os magistrados milaneses —foi sem muito efeito. No meio de 1992, os juízes Giovanni Falcone e Paulo Borsellino foram assassinados pela Máfia (a relação entre a Máfia e a classe política era o pano de fundo sombrio da corrupção).

Mesmo assim, aos poucos, na Itália, o jeito de fazer política mudou para sempre. Sumiram os partidos que tinham se tornado instituições fisiológicas. Imagine o que isso poderia significar hoje no Brasil.

A política italiana de hoje (a própria figura do primeiro-ministro Renzi) seria impensável sem "Mani Pulite". E ela é infinitamente melhor do que ela era no passado.

Há quem diga, aqui no Brasil, que o resultado de "Mani Pulite" foi Berlusconi. Isso é historicamente falso: ao contrário, Berlusconi se instalou no poder por uma década a partir de 2001, justamente quando os italianos se cansaram de "Mani Pulite".

Porque, de fato, eles se cansaram. De quê? Do fedor da lama? Do clima paranoico? Será que o mesmo cansaço nos espreita?

Não sei, mas o fato é que, em geral, quando a corrupção é o sistema de governo, é porque ela é também a forma dominante da vida social, pública e privada.

Você dá R$ 20 a um colega para que ele faça seu dever de casa. Isso é possível porque os políticos, lá em cima, são corruptos? Ou é o contrário: os políticos, lá em cima, se permitem ser corruptos porque sabem que a corrupção é a regra aqui em baixo, na nossa vida cotidiana?

O cidadão médio vive de pequenas corrupções: venda e compra de pontos na carteira, notas fiscais não emitidas, colas numa prova, pequenas sonegações e fraudes...

Ele pede transparência e honestidade até se dar conta de que muitas de suas ações são filhas da mesma confusão que ele denuncia no político: uma incapacidade de distinguir os interesses públicos dos interesses privados.

Não basta que uma boa faxina seja pelas calçadas e pelas praças; ela precisa acontecer em casa. Isso seria uma verdadeira mudança cultural...

Vou continuar sobre público e privado.


02 de abril de 2016
Folha de SP

O SUBMUNDO DO CRIME

Mensalão e petrolão, escândalos de corrupção que deixaram marcas indeléveis na História do Brasil e do partido que se propunha a mudar a maneira de fazer política no país, são consequências quase que obrigatórias da atuação no submundo do crime que sustentou a chegada do PT ao comando do governo federal.

Não é à toa que figuras como o ex-tesoureiro Delúbio Soares e o ex-secretário-geral do PT Silvinho Pereira, condenados no mensalão, aparecem novamente na fase atual da Lava-Jato, que, batizada de Carbono 14, exuma fatos da pré-história petista rumo ao poder.

À linguagem chula do chefão, soma-se agora uma série de suspeitas de ações criminosas: assassinatos em série, chantagens, ameaças de todo o tipo, incêndio possivelmente criminoso, propina da máfia dos transportes públicos e do recolhimento de lixo em cidades dirigidas pelo PT.

O estereótipo do sindicalismo criminoso, tornado famoso pelos relatos cinematográficos de Hollywood, está na raiz da ascensão política do PT e, tal qual um novo rico que quer esconder seu passado, ou comprar título de nobreza, também os petistas gostariam de sepultar o passado para assumir postura de grandes líderes políticos.

A maioria conseguiu mudar a aparência às custas de bem cortados ternos Armani, ou do nacional Ricardo Almeida, e manteve a pose até quando conseguiu, mas o espírito continua o mesmo. Espectros do passado teimam em persegui-los: o cadáver insepulto do ex-prefeito de Santo André cisma de confrontá-los; os companheiros que, pelos relatos da família e que agora passam a ser investigados pela Operação Lava-Jato, desviaram-se do caminho vislumbrado por Daniel e acabaram por se livrar dele da maneira mais brutal.

A Operação Carbono 14, desdobramento 27 da Lava-Jato, deflagrada ontem, aprofunda a investigação sobre lavagem do dinheiro de empréstimo do Banco Schahin para o PT, que teria sido pago com contratos da Petrobras, tendo como intermediário o amigo de Lula José Carlos Bumlai.

Quem ligou as pontas entre o empréstimo fraudulento e o crime de Santo André foi a ex-contadora do doleiro Alberto Yousseff. Meire Poza entregou à Polícia Federal documentos que provam que pelo menos metade do empréstimo, cerca de R$ 6 milhões, tiveram como destinatário final o empresário Ronan Maria Pinto, preso ontem pela Lava-Jato. (Coincidentemente, o escritório de Meire Poza foi incendiado ontem, em mais um toque mafioso nessa trama escabrosa).

Segundo relato do empresário Marcos Valério, foi o pagamento de uma chantagem do empresário do ABC contra os ex-ministros Gilberto Carvalho, José Dirceu e também contra Lula, para não contar a verdadeira história do assassinato de Celso Daniel.

O blogueiro chapa-branca Breno Altman, que escreve no blog 247 e dirige o Opera Mundi, foi levado coercitivamente para depor, pois aparece novamente em esquemas criminosos, como a ligação de José Dirceu com doleiros e assemelhados.

O documento que Meire apresentou à Polícia Federal foi lhe dado pelo doleiro Enivaldo Quadrado, braço direito de Youssef, condenado no mensalão. Cuja multa na ocasião foi paga pelo PT, através de Altman.

O ex-secretário-geral do PT Silvinho Pereira (ou Silvinho Land Rover, devido a um carro que recebeu de presente no mensalão) recebia uma mesada para ficar calado, pois é dado a remorsos que precisam ser muito bem remunerados para não se tornarem delações premiadas.

Na época do mensalão, ele se dispôs a depor para O GLOBO, mas acabou arrependendo-se, num surto psicótico em que quebrou todo o seu apartamento e se disse ameaçado de morte. Diante do fato de que nada menos que nove mortos já surgiram no rastro do assassinato do ex-prefeito Celso Daniel, seu temor não deve ser sem motivo.

Também o delator Paulo Roberto Costa declarou-se com medo de ser morto, alegando justamente o caso Celso Daniel. A Operação Lava-Jato chega, portanto, às profundezas da lama petista.

Os fantasmas do mensalão unem-se à atualidade do petrolão para mostrar a continuidade delitiva dessa organização criminosa - já oficialmente assim identificada - que tomou conta do governo brasileiro, de acordo com a Lava-Jato.



02 de abril de 2016
Merval Pereira, O Globo

MARGINAIS EM AÇÃO

Lula é o Partido dos Trabalhadores. Sem ele o PT não existe. Para os petistas, a palavra de Lula é lei, mandamento supremo que, como tal, se sobrepõe a qualquer preceito legal, inclusive os estabelecidos pela Constituição federal. Em 2012, quando o Supremo Tribunal Federal (STF) condenou por corrupção a cúpula dirigente do PT no rumoroso processo do mensalão, Lula decidiu que as sentenças foram ditadas “sem provas”, por pressão da opinião pública e da mídia. Sua palavra de ordem foi rigorosamente acatada pela manada petista, que, para compensar a “injustiça” praticada contra seus ex-dirigentes, elevou-os à categoria de “guerreiros do povo brasileiro”. A partir de então ficou estabelecido para o lulopetismo o princípio à luz do qual as leis devem ou não ser respeitadas: o interesse de Lula. A partir de então, do ponto de vista legal – e não se trata, neste caso, de nada relacionado com a Lava Jato – Luiz Inácio Lula da Silva optou claramente pela marginalidade, para a qual arrasta todo o seu séquito, inclusive a presidente da República.

Hoje, a grande questão legal em jogo é o processo de impeachment de Dilma Rousseff. Vários ministros do STF já declararam que o impeachment é um instituto legal previsto pela Constituição federal. Com base nesse princípio, a própria Suprema Corte recentemente estabeleceu os procedimentos a serem observados pelo Congresso Nacional para o julgamento do impeachment da chefe do Executivo. Mas Lula, Dilma e os petistas não querem saber. Para eles, impeachment é golpe. Repetem isso incansavelmente, como um mantra. E é lamentável verificar que pessoas supostamente bem informadas, a pretexto de defender “as instituições democráticas” que Lula demoliu, não se pejam de engrossar o coro.

Em torno do interesse maior de Lula, que é sua própria sobrevivência política, e sob sua coordenação, está em curso uma ampla e agressiva campanha para combater o “golpe” e, a partir do desembarque do PMDB do governo, para tentar desmoralizar Michel Temer, sucessor natural da presidente, cujo mandato está agora por um fio. Essa campanha tem dois focos distintos. No âmbito do Congresso, destina-se a comprar, literalmente, o apoio de parlamentares em número suficiente para barrar o processo de impeachment. Trata-se de uma compra pura e simples, porque a mercadoria à venda é o cargo público a ser pago com um voto contra o impeachment.

No âmbito mais amplo da opinião pública, a estratégia cumprida por determinação de Lula envolve ações que variam das ameaças verbais a investidas no melhor estilo black bloc, como a realizada na segunda-feira na Câmara dos Deputados, e ainda a mobilização dos movimentos sociais que giram na órbita lulista para manifestações de rua, como as programadas pelo Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

O episódio de guerrilha urbana promovido na Câmara dos Deputados teve o patrocínio de juristas e advogados militantes ou simpatizantes do PT e destinava-se a impedir – o termo, por absurdo que pareça, é exatamente este – que o presidente e outros membros da direção da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) protocolassem o pedido de impeachment de Dilma Rousseff que foi aprovado por 26 votos contra 2 pelo Conselho Federal da entidade. Aos berros, empurrões e tapas, os quadrilheiros de Lula procuraram, em vão, impedir que o documento da OAB fosse entregue. É assim que a turma de Lula defende a democracia.

No plenário do Senado, o líder do PT, Humberto Costa, ameaçou Michel Temer de ser “o próximo a cair” depois de Dilma e garantiu: “Não haverá trégua a esse movimento golpista, nem antes, nem depois, caso ele venha, vergonhosamente, a se materializar”. Por sua vez, um dos coordenadores do MST, Alexandre Conceição, em ato pró-Dilma na Câmara repetiu a palavra de ordem ditada por Lula: “Está ocorrendo uma manobra inconstitucional, um golpe”. E acrescentou que Eduardo Cunha e Michel Temer doravante “não vão ter paz”, para concluir com uma proclamação de enorme alienação: “Para manter os ganhos sociais só há uma saída: manter Dilma na Presidência”. Alguém precisa explicar ao moço quem é que está pondo a perder os “ganhos sociais”.



02 de abril de 2016
Editorial O Estadão

OS OITO CADÁVERES DO CASO CELSO DANIEL E O PAPEL DE CADA UM

Ou o caso Celso Daniel é uma tramoia muito bem urdida ou e uma das maiores somas de coincidências do mundo... E com detalhes um tanto espantosos 


A questão de fundo de parte da nova fase da Operação Lava Jato é o assassinato do prefeito de Santo André, Celso Daniel, que foi sequestrado e apareceu morto no dia 18 de janeiro de 2002. Era, então, o coordenador da pré-campanha de Lula à Presidência.

Desde aquele dia, tem-se uma fila imensa de cadáveres e poucas respostas. A tese do Ministério Público é a de que Celso foi vítima de um crime de encomenda, desdobramento de um esquema instalado na própria prefeitura, coordenado por ele, destinado a desviar recursos para o PT. 
Membro do grupo, Sérgio Sombra, amigo pessoal do prefeito, é acusado de ser o mandante.

Até agora, o único condenado é Marcos Roberto Bispo dos Santos, o Marquinhos. 
O julgamento aconteceu no Fórum de Itapecerica da Serra. Adriano Marreiro dos Santos, seu advogado, diz que seu cliente confessou sob tortura. 
O Ministério Público reuniu evidências de que ele dirigiu um dos carros que abalroaram a picape em que Celso estava, encomendou o roubo de outro veículo que participou da operação e conduziu a vítima da favela Pantanal, em Diadema, para Juquitiba, onde foi assassinada.

Bruno Daniel, um dos irmãos de Celso, afirma que, no dia da missa de sétimo dia, Gilberto Carvalho confessou que levava dinheiro do esquema montado na prefeitura para a direção do PT. 
Carvalho lhe teria dito que chegara a entregar R$ 1,2 milhão ao então presidente do partido, José Dirceu. Carvalho e Dirceu negam.

Bruno e sua família chegaram a se exilar na França por causa das ameaças de morte e receberam o estatuto oficial de refugiados. Francisco, o outro irmão, também teve de se mudar de São Paulo e vive recluso. Eles não aceitam a tese de que o irmão foi vítima de crime comum.

O ressentimento de Bruno – ele e a mulher eram militantes do PT – com o partido é grande. Ele acusa os petistas de terem feito pressão para que a morte fosse considerada crime comum. Outro alvo seu é o advogado Luiz Eduardo Greenhalgh, então deputado federal pelo partido.

Greenhalgh acompanhou a necropsia do corpo e assegurou à família que Celso não tinha sido torturado, o que foi desmentido pelo legista Carlos Delmonte Printes em relato feito à família. A tortura é um indício de que os algozes do prefeito queriam algo mais do que sequestrá-lo para obter um resgate, o que nunca foi pedido.

Por que Greenhalgh afirmou uma coisa, e o legista, outra? Difícil saber: no dia 12 de outubro de 2005, Printes foi encontrado morto em seu escritório. A perícia descartou morte natural e não encontrou sinais de violência. A hipótese de envenenamento não se confirmou. Não se sabe até agora o motivo.

Todos os mortos


A lista de mortos ligados ao caso impressiona. Além do próprio Celso, há mais sete. 
Um é o garçom Antônio Palácio de Oliveira, que serviu o prefeito e Sérgio Sombra no restaurante Rubaiyat em 18 de janeiro de 2002, noite do sequestro. 
Foi assassinado em fevereiro de 2003. Trazia consigo documentos falsos, com um novo nome. 
Membros da família disseram que ele havia recebido R$ 60 mil, de fonte desconhecida, em sua conta bancária. O garçom ganhava R$ 400 por mês. 
De acordo com seus colegas de trabalho, na noite do sequestro do prefeito, ele teria ouvido uma conversa sobre qual teria sido orientado a silenciar.

Quando foi convocado a depor, disse à polícia que tanto Celso como Sombra pareciam tranquilos e que não tinha ouvido nada de estranho. 
O garçom chegou a ser assunto de um telefonema gravado pela Polícia Federal entre Sombra e o então vereador de Santo André Klinger Luiz de Oliveira Souza (PT), oito dias depois de o corpo de Celso ter sido encontrado. 
“Você se lembra se o garçom que te serviu lá no dia do jantar? É o que sempre te servia ou era um cara diferente?”, indagou Klinger. “Era o cara de costume”, respondeu Sombra.

Vinte dias depois da morte de Oliveira, Paulo Henrique Brito, a única testemunha desse assassinato, foi morto no mesmo lugar com um tiro nas costas. 
Em dezembro de 2003, o agente funerário Iran Moraes Rédua foi assassinado com dois tiros quando estava trabalhando. Rédua foi a primeira pessoa que reconheceu o corpo de Daniel na estrada e chamou a polícia.

Dionízio Severo, detento apontado pelo Ministério Público como o elo entre Sérgio Sombra, acusado de ser o mandante do crime, e a quadrilha que matou o prefeito, foi assassinado na cadeia, na frente de seu advogado. 
Abriu a fila. Sua morte se deu três meses depois da de Celso e dois dias depois de ter dito que teria informações sobre o episódio. Ele havia sido resgatado do presídio dois dias antes do sequestro. Foi recapturado.

O homem que o abrigou no período em que a operação teria sido organizada, Sérgio Orelha, também foi assassinado. Outro preso, Airton Feitosa, disse que Severo lhe relatou ter conhecimento do esquema para matar Celso e que um “amigo” (de Celso) seria o responsável por atrair o prefeito para uma armadilha.

O investigador do Denarc Otávio Mercier, que ligou para Severo na véspera do sequestro, morreu em troca de tiros com homens que tinham invadido seu apartamento. O último cadáver foi o do legista Carlos Delmonte Printes. Perderam a conta? Então anote aí:

1) Celso Daniel : prefeito. Assassinado em janeiro de 2002.

2) Antônio Palácio de Oliveira: garçom. Assassinado em fevereiro de 2003.

3) Paulo Henrique Brito: testemunha da morte do garçom. Assassinado em março de 2003.

4) Iran Moraes Rédua: reconheceu o corpo de Daniel. Assassinado – dezembro de 2003.

5) Dionízio Severo: suposto elo entre quadrilha e Sombra. Assassinado – abril de 2002.

6) Sérgio Orelha: amigo de Severo. Assassinado em 2002.

7) Otávio Mercier: investigador que ligou para Severo. Morto em julho de 2003.


02 de abril de 2016
Reinaldo Azevedo

OLHA ELE AÍ DE NOVO, MINHA GENTE!!!

TEORI MANTÉM SIGILO DE DENÚNCIA QUE ACUSA COLLOR DE 327 CRIMES



Sigilo por quê?

Uma decisão de Teori Zavascki intriga o MPF: por que o relator da Lava-Jato mantém há tantos meses o sigilo da denúncia contra Fernando Collor?

Um número ajuda a entender o tamanho da encrenca: na peça, o senador é acusado de ter praticado 327 crimes.


02 de abril de 2016

Vera Magalhães

O CRETINO CLOWN CADUCO CHALEIRA DO COMUNO-PETISMO


Não há nada mais triste e lastimável observar a senilidade e a cretinice anabolizando a bajulação a serviço do Crime; atestar o homem, o juiz, se solidificando em estrambólico histrião da suprema corte. 
Se o Brasil tivesse um escritor do calibre de um Andrey Biely ele descreveria o primo de Collor como um Nikolai Apollonovich que assombra a praça dos três poderes a noite, fantasiado numa capa negra de fundo vermelho, devotado a assustar o congresso nacional e a sujar de marrom, sob a saia da presidenta, seu narizinho vermelho de Bozo. 
O Arlequim do conselho de arbitragem do STF decidiu impichar o vice-presidente Temer para manter a gangue de Lula e Dilma no poder.
02 de abril de 2016
in selva brasilis

UM CADÁVER NA OPERAÇÃO LAVA JATO

Com dinheiro sujo, o PT comprou o silêncio de um empresário que ameaçava dar informações sobre o suposto envolvimento de Lula, José Dirceu e Gilberto Carvalho no assassinato de Celso Daniel. A Polícia Federal prendeu esse empresário


CENA DO CRIME - O prefeito de Santo André Celso Daniel foi sequestrado e assassinado em 2002. Sua família sempre acusou dirigentes do PT de estarem por trás do homicídio
CENA DO CRIME - O prefeito de Santo André Celso Daniel foi sequestrado e assassinado em 2002. Sua família sempre acusou dirigentes do PT de estarem por trás do homicídio (EPITACIO PESSOA/Estadão Conteúdo)

José Dirceu conversava animadamente em um restaurante de Brasília, no ápice da campanha presidencial, em 2002, quando foi interrompido por um homem bem vestido, de terno. 
Carregando uma valise, ele chegou apressado e fez sinal com as mãos de que precisava falar reservadamente. O então coordenador da campanha de Lula se levantou e apresentou o interlocutor: "Este aqui é o Delúbio, nosso tesoureiro". 
Os dois seguiram para um canto vazio e cochicharam por alguns minutos. Delúbio Soares passou rapidamente pela mesa, acenou e foi embora. Dirceu voltou ao seu lugar. Parecia transtornado. "Os tucanos estão preparando uma armadilha para nos destruir." "Que armadilha?", alguém perguntou. "Fizeram um dossiê para nos envolver no assassinato do Celso Daniel. Dizem que tem gravações telefônicas, depoimentos, gente do PT...". 
Antes de se despedir, Dirceu dimensionou o que estaria por vir: "Isso é muito grave. Precisamos reagir rápido, abortar o plano de qualquer maneira". 
Na conversa, que VEJA testemunhou, petistas e simpatizantes que estavam à mesa combinaram uma estratégia de defesa. Era preciso que se antecipassem, denunciando a farsa antes que viesse a público. Era preciso esclarecer que o caso constituía uma tentativa de golpe sujo e desesperado do governo tucano para atrapalhar a eleição de Lula.
O assassinato do prefeito Celso Daniel, de Santo André, ocorrido em janeiro de 2002, nunca deixou de assombrar o PT, fosse na forma de chantagens eleitorais ou de investigações policiais que, até hoje, não esclareceram a morte do prefeito. Assim, a dúvida sobre o envolvimento de petistas no caso paira no ar como uma nuvem de enxofre capaz de contaminar ainda mais o pântano em que se meteu o partido. 

Na semana passada, a mais recente fase da Lava-Jato voltou a agitar o fantasma de Celso Daniel. A operação foi chamada de Carbono 14, numa referência ao elemento usado pela ciência para desenterrar o passado. Mas o que um homicídio de catorze anos atrás tem a ver com a roubalheira na Petrobras? 
As conexões são um pouco intrincadas, mas, seguindo-se o calendário das investigações, tudo fica mais claro. 

INTERESSE EXPOSTO DE TEMER PODE BLOQUEAR IMPEACHMENT



Charge do Baggi, reprodução do Jornal de Brasília
















A divisão do PMDB (reportagem de Gustavo Uribe, Mariana Haubert, Dimi Amora, Daniela Lima, Débora Álvares e Valdo Cruz, Folha de São Paulo de sexta-feira) e o interesse muito exposto do vice Michel Temer, principal personagem da ruptura da legenda com o governo, tornam-se fatores capazes de bloquear o impedimento da presidente Dilma Rousseff.
Temer, a meu ver, foi longe demais nas articulações partidárias. Basta ler suas declarações, reveladas nos blocos da mesma matéria, de que não iria interferir na Operação Lava-Jato. Ora, a afirmação só possui valor num contexto em que estivesse na presidência da República. Caso contrário não faria sentido. Isso porque, à luz da Constituição, a figura do vice é de nulidade administrativa. Tanto assim que decreto da presidente Dilma foi o ato necessário para que assumisse a coordenação política do Executivo, cargo do qual ele se demitiu. Mas esta é outra questão.
Outra figura que retira força às investidas contra a presidente é a de Eduardo Cunha, cuja acusação de ter participado do assalto à Petrobrás foi aceita pelo Supremo por 10 votos a zero. A denúncia foi encaminhada pelo Procurador Geral da República, Rodrigo Janot. As duas situações transformam-se assim em barreiras à sequência da ofensiva da população, cuja presença nas ruas a 13 de março impulsionou as oposições a se movimentar para substituir o governo Dilma. Mas substituí-la por Temer? Torna-se mais difícil. O PT e a CUT reagiram nas praças do país a 31 de março. Não reuniram nem de longe o mesmo número de pessoas que se mobilizaram a 13 de março.
FREIO NA VELOCIDADE
As manifestações do dia 31 colocaram em destaque os ataques a Michel Temer, lembrando que ele foi duas vezes eleito conjuntamente com Dilma Rousseff. O argumento não tem peso jurídico, é claro. Porém possui influência política, uma espécie de freio na velocidade do instrumento de substituir a presidente da República.
Tal conotação, de outro lado, dá força aos dissidentes do PMDB e aos ministros – atualmente seis – que o partido ocupa na Esplanada de Brasília. Vale sempre acentuar que para aceitação do processo do impeachment são necessários 342 votos na Câmara, dois terços da Casa. Não constitui tarefa fácil, sobretudo levando-se em conta as abstenções, que sempre acontecem. Vamos esperar, semana que vem, os próximos acontecimentos.
 SITUAÇÃO DE LULA
Até lá permanece indefinida a situação do ex-presidente Lula. Examinando-se com atenção o julgamento do Supremo realizado quinta-feira, verifica-se que o tema não foi abordado. Permanece em vigor a liminar contrária à sua investidura, estabelecida pelo ministro Gilmar Mendes. Foi decidido o foro especial a que os ministros de estado têm direito e também a presidente da República, cuja presença na gravação acarretou a remessa do processo contra Lula para as mãos do ministro Teori Zavascki.
Mas, com isso, criou-se um paradoxo a ser superado. Lula continua impedido de assumir. Portanto até o caso ser resolvido de forma definitiva, ele permanece sem direito a foro privilegiado. Porém, isso na teoria. Na prática, o impasse continua oscilando entre o ser e o não ser ministro.
Curiosa tal situação. O STF terá que resolvê-la.

02 de abril de 2016
Pedro do Coutto

PLANALTO TENTA IMPEDIR TEMER COM CUMPLICIDADE DE MARCO AURÉLIO


Para salvar Dilma, Marco Aurélio Mello aceita qualquer recurso














A assessoria de imprensa do Supremo Tribunal Federal (STF) divulgou nesta sexta-feira uma decisão do ministro Marco Aurélio Mello determinando que a Câmara dos Deputados inicie processo de impeachment contra o vice-presidente Michel Temer. 

Logo em seguida, a própria assessoria corrigiu a informação: o documento ainda estava sendo elaborado e não tinha sido assinado pelo ministro. Portanto, não se tratava de uma decisão. 
O ministro negou que tivesse dado a decisão e informou que só julgará o caso na segunda-feira.
No documento divulgado pelo tribunal, Marco Aurélio determina que o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), abra processo de impeachment contra Temer e, em seguida, envie o caso a uma Comissão Especial para análise dos deputados. 

A polêmica começou quando o advogado Mariel Márley Marra propôs o processo contra Temer à Câmara. 
Cunha arquivou o caso porque não haveria qualquer indício de que o vice-presidente cometeu crime de responsabilidade. Marra recorreu ao STF em um mandado de segurança, que foi sorteado para a relatoria de Marco Aurélio.
“Não se está a emitir qualquer juízo quanto à conduta do Vice-Presidente da República, revelada na edição dos decretos mencionados na petição inicial e no acervo probatório que a acompanha. No caso, a controvérsia envolve controle procedimental de atividade atípica do Poder Legislativo, consoante disciplina do artigo 86 da Lei Maior”, diz o documento cuja autoria foi atribuída ao ministro.
“Ante o quadro, defiro parcialmente a liminar para, afastando os efeitos do ato impugnado, determinar o seguimento da denúncia, vindo a desaguar na formação da Comissão Especial, a qual emitirá parecer”, conclui a minuta. 
No pedido, o advogado queria que o processo de impeachment contra Dilma ficasse paralisado até que o STF decidisse se incluía Temer. Essa parte do pedido seria negada, segundo a minuta divulgada.
Segundo a assessoria de imprensa, o documento foi divulgado acidentalmente como se fosse uma decisão, embora não tenha sido assinado pelo ministro. 
Não há informação sobre qual área do tribunal errou.
CID GOMES TAMBÉM PEDE
O ex-governador do Ceará, Cid Gomes (PDT), protocolou, nesta sexta-feira, um novo pedido de impeachment contra o vice-presidente Michel Temer (PMDB-SP) na Câmara dos Deputados. O argumento do também ex-ministro da Educação foi o de que o peemedebista teria cometido crime de responsabilidade fiscal — apesar de não ter incluído na denúncia a assinatura de decretos orçamentários sem autorização do Congresso, as chamadas “pedaladas fiscais”, argumento usado no pedido em análise pela Casa sobre a presidente Dilma Rousseff (PT).
O ex-governador também pede que, por haver no documento citações diretas ao presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), o processo seja analisado pelo vice-presidente da Casa, Waldir Maranhão (PP-MA), aliado do peemedebista. Esse é o quarto pedido de impeachment apresentado à Casa. Dois já foram arquivados e um, peticionado pelo deputado Cabo Daciolo (PTdoB-RJ), está em processo de análise.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG
  – Ao invés de salvar Dilma Rousseff, estas investidas contra Temer vão contribuir para condená-la, porque esses pedidos reconhecem que a presidente realmente cometeu crime de responsabilidade ao assinar decretos ilegais

Quanto a Temer, que também assinou, o TCU entende que ele o fez na interinidade, sem ter qualquer compromisso com a elaboração deles e com a decisão de que fossem baixados. Com amigos assim, Dilma não precisa de inimigos. 

Quanto ao ministro Marco Aurélio, há quem se venda por dinheiro; outros o fazem por amor à filha. E isso é patético para um ministro do Supremo, que tem de saber que existe recurso na Câmara contra arquivamento de impeachment e é feito ao plenário. 
Basta lembrar que o então deputado José Dirceu recorreu ao plenário contra um pedido de impeachment de FHC que fora negado. E o plenário manteve o arquivamento. 
Quem apresentou pedido de impeachment de Temer precisa recorrer ao plenário da Câmara. O Supremo não pode intervir, é assunto “interna corporis” do Legislativo. (C.N.)

02 de abril de 2016
Carolina Brígido e Letícia Fernandes
O Globo