"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

sexta-feira, 12 de maio de 2017

FALTA DE TRANSPARÊNCIA NA APURAÇÃO DE ACIDENTES AÉREOS É INCONSTITUCIONAL



Atual legislação impõe sigilo às investigações

O Procurador-Geral da República ingressou com uma ADI (Ação direta de inconstitucionalidade, que tomou o nº 5567) pedindo a declaração de inconstitucionalidade de vários artigos da Lei 7.565/86, o Código Brasileiro da Aeronáutica (CBA, alterado pela Lei 12.970/14), todos eles (os dispositivos legais) referentes à apuração de acidentes aéreos. Tardou a fazê-lo, tamanha a coleção destas inconstitucionalidades, tão aberrantes que são, que acabam envolvendo em brumas a apuração de qualquer acidente aéreo no país, justamente em uma democracia que começa a sedimentar suas instituições com o cimento do princípio da transparência.

Há um dado recente e interessante sobre este assunto. No começo deste ano, por ocasião do acidente que vitimou o ministro do STF Teori Zavascki, houve algo de patético na reação de quase todas autoridades do país, que, na ânsia de demonstrar, ao mesmo tempo, zelo pelo interesse público e cautela, soltaram, em uníssono, frases como “as investigações devem ser feitas e acompanhadas rigorosamente” e outras semelhantes.

Demonstraram, com estas observações, um gritante desconhecimento do Código Brasileiro da Aeronáutica (CBA), que passa longe de permitir um acompanhamento, qualquer que seja ele, destas investigações (como agora conclui – embora tardiamente – o Ministério Público).

DOMÍNIO ABSOLUTO – Nesta lei (vide os artigos 86 a 88 da Lei 7.565/86) está bem claro o domínio absoluto da Aeronáutica na apuração de acidentes aéreos. O CENIPA (Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos), órgão da Aeronáutica, tem a guarda exclusiva de qualquer material relacionado ao acidente (o que inclui, por óbvio, o próprio avião – art.88-C); pode requisitar prioritariamente todos documentos que julgar relacionados ao acidente (88-G), todas as provas (88-I-par.1o.) e deles (documentos, provas , seja o que for relacionado ao acidente) terá direito a seu uso exclusivo. Estas provas “poderão” ser encaminhadas para inquérito ou processo judicial, que serão, ambos, sigilosos.

O mais importante: o CENIPA (e só ele) tem o direito de divulgar ou não o andamento das investigações (88-L). Só os técnicos do órgão – mais ninguém – podem ter acesso à apuração. Este, aliás, um dos focos da ADI proposta por Janot: a inacessibilidade das partes de um processo judicial, ao Ministério Público e outros implica em um atentado óbvio aos princípios da ampla defesa e contraditório, decorrentes do inciso LIV, do art. 5º da CF/88.

Abreviando: os poderes da Aeronáutica são imperiais. Ela tem acesso exclusivo sobre o avião acidentado e tudo relacionado ao acidente, tem poderes de levar esse material para onde bem entender, analisá-lo sem observadores externos e não dar satisfação alguma a quem quer que seja durante a investigação (só, lógico, depois dela).

CRÍTICA À LEI – Destaco aqui que esta crítica se refere à lei, ao CBA, não ao CENIPA que, colocando a busca da verdade e a transparência acima do formalismo, tem concordado com a participação de entidades da sociedade civil para acompanhar as investigações. Permitiu isto agora à Associação dos Juízes Federais (AJUFE) e espera-se que nossos homens do ar deem integral acesso, em todos os momentos, às investigações sobre o acidente que vitimou o ministro Teori Zavascki. Proporcionou, desta vez, o acesso. Mas poderia não fazê-lo, eis o problema.

Além das declarações de inconstitucionalidade, é necessário modificar a lei para que, ao menos nas investigações judiciais, assegure-se uma investigação na qual haja permissão expressa de acompanhamento “in loco” de comissões independentes de investigação, com perícias próprias e o que mais for necessário.

O motivo não é indagar da lisura das apurações da Aeronáutica. A finalidade é alcançar um novo patamar de legitimidade (é o caso da “mulher de César”), ao menos nas apurações de acidentes que envolvam pessoas expostas, sepultando, desde o início das investigações, especulações que fomentem sensações públicas de desconfiança que habitam os labirintos dos espíritos, como vimos logo após a morte do ministro Teori Zacascki. Sentimentos sociais perigosos. Mas perfeitamente evitáveis.



12 de maio de 2017
(José Eduardo Leonel Ferreira é doutor em Direito pela USP, mestre em direito pela PUC/SP e juiz federal desde 1999. Foi Promotor de Justiça/SP entre 1994 e 1999).

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