"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 2 de maio de 2017

NO ESCRITÓRIO DE ADRIANA ANCELMO, A PROPINA ERA CHAMADA DE "BOMBOM"



O escritório dela virou uma “confeitaria financeira”
Antes de sair pela última vez do escritório de Adriana Ancelmo, demitida após dez anos de trabalho, a secretária Michele Thomaz Pinto tomou o cuidado de guardar na bolsa um caderninho, onde anotava tudo o que fazia, e um pendrive carregado de dados. Enquanto se despedia da ex-chefe e do advogado Thiago Aragão, sócio do escritório, deixou a bolsa sobre a mesa. Em seguida, recolheu-a e saiu. Já na portaria do prédio, o Edifício Bozano Simonsen, na Avenida Rio Branco 138, no Centro do Rio, abriu a bolsa outra vez e descobriu que o caderninho e o pendrive haviam desaparecido.
Da década vivida na mesa em frente à sala da mulher do ex-governador Sérgio Cabral, restaram basicamente a memória e alguma informação salva no WhatsApp. Até o celular, um iPhone, teve a memória apagada por alguém, remotamente, horas após a demissão. Na semana passada, ao ser acusada de roubo e fraude por Adriana Ancelmo, Michele teve de recorrer à memória para defender-se. Testemunha-chave de entregas regulares de propina ao escritório, em remessas que iam de R$ 200 mil a R$ 300 mil semanais, a ex-secretária garantiu que o seu papel era receber o entregador, Luiz Carlos Bezerra, contar o dinheiro e pagar as despesas de Adriana. O volume era tão grande que a chefe, segundo Michele, perdia a noção do que pagava.
ACUSAÇÃO – Em depoimento ao juiz Sergio Moro, Adriana disse que demitiu Michele, em novembro de 2015, depois de saber, pela gerente de sua conta bancária, que a secretária usava os seus cheques para fazer pagamentos desconhecidos. Também a acusou de não recolher o INSS dos funcionários do escritório por um ano e de carregar indevidamente talonários seus, assinados, e quatro cartões de crédito desbloqueados. Michele não nega. Andava de fato com os talonários e com dois cartões de crédito — e não quatro — na bolsa, mas tudo por ordem da chefe, que a obrigava periodicamente a pagar as suas despesas pessoais na agência do Itaú na Rua Olegário Maciel, na Barra, onde a ex-primeira-dama tinha uma conta.
“Estão tentando atacar a minha imagem para desmentir o que fizeram de errado” — diz a ex-secretária.
Michele, que trabalhou no escritório de 2005 a 2015, disse que o jeito áspero de Adriana Ancelmo, sempre implacável quando a secretária não lhe agradava, a fazia sentir-se como a personagem Andrea “Andy” Sachs (Anne Hathaway) do filme “O diabo veste Prada” — uma aspirante a jornalista que consegue emprego como secretária da editora de moda novaiorquina Miranda Priestly (Meryl Streep) e acaba tiranizada pela chefe durona.
ELA VIA TUDO – Adriana, segundo ela, só frequentava o escritório duas a três vezes por semana. A ex-primeira-dama ocupava uma das três salas em frente à mesa de Michele, que dividia o espaço com a então ajudante de ordem de Adriana, coronel Fernanda, quando a chefe estava presente. Como as salas eram de vidro com persianas, a secretária tudo via.
De sua mesa, por exemplo, Michele observava Adriana receber, frequentemente, uma funcionária da H.Stern levando uma bolsa preta. Um segurança da joalheria sempre acompanhava a vendedora, mas não entrava na sala.
Nos sete primeiros anos, conta ela, a rotina era normal. Do início como assistente administrativa, Michele saltou para o cargo de secretária executiva e logo virou uma funcionária de confiança, a quem Adriana delegou a gestão financeira do escritório e o pagamento das despesas pessoais. Apesar do azedume da chefe, dava para levar.
COM A MOCHILA – O clima, porém, ficou mais pesado a partir de 2013, quando começaram as visitas regulares de Luiz Carlos Bezerra, um dos operadores de Cabral, sempre com a mochila. As aparições de Bezerra (que está preso) – suspeita a ex-secretária – coincidem com o momento em que Cabral deixa de usar sozinho o dinheiro de propina e passa a recorrer à mulher, para ela pagar parte dos gastos.
O dinheiro entregue pelo operador, disse Michele, servia para pagar os 17 funcionários pessoais do casal (das residências do Leblon e de Mangaratiba), os oito funcionários do escritório, a bonificação dos advogados e contas de Adriana, como taxas de condomínio, incluindo dois apartamentos na Rua Prudente de Morais, em Ipanema, mensalidade da escola dos dois filhos e boletos diversos, como os da Sky e da NET.
MENSAGENS DELETADAS – Michele era avisada com antecedência das visitas de Bezerra pela secretária de Cabral, Sônia. Elas usavam o aplicativo Wickr, que deleta automaticamente a mensagem enviada. Com a entrega da mochila, a secretária auxiliava um dos sócios de Adriana, Thiago Aragão, a contar o dinheiro — notas de R$ 100 e de R$ 50 — na sala de reuniões. Bezerra, sempre apressado, nunca falava em dinheiro. Preferia usar expressões como “bombom”, “brigadeiro” ou “encomenda” para se referir ao conteúdo da mochila. No início, ele aguardava a contagem no escritório. Com o passar do tempo, saía e preferia receber uma mensagem atestando o valor entregue.
Depois da contagem, o dinheiro era guardado em cofre na sala de Aragão, recorda-se Michele. Ela desconfia de que a divisão das despesas entre Cabral e Adriana teve o objetivo de esquentar a propina.
RESTAURANTE – As suspeitas cresceram quando a mulher do ex-governador passou a também honrar a folha de pagamento da rede de restaurantes Manekineko. Seu proprietário, cunhado de Aragão, mandava todo mês a planilha de pagamento, com o nome, o valor e a conta de cada funcionário, no valor total de R$ 200 mil.
Michele, então, recebia a quantia em dinheiro, atravessava a rua e a entregava para a gerente de uma agência bancária em frente ao escritório. Em troca, o Manekineko, segundo ela, emitia nota fiscal nesse valor em favor do escritório.
Quando o envolvimento do Manekineko foi divulgado, a rede não quis se manifestar.
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NOTA DA REDAÇÃO DO BLOG – No depoimento ao juiz Moro, Adriana Ancelmo disse que não sabia de nada, que cuidava das finanças era o marido Sérgio Cabral, que ela suponha muito rico. Só faltou dizer quer era “recatada e do lar”. No entanto, a propina rolava solta no escritório de advocacia e ela não sabia de nada.  (C.N.)

02 de maio de 2017
Chico Otavio e Daniel Biasetto
O Globo

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