"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

quarta-feira, 17 de maio de 2017

O ÚLTIMO DOS 4 ANTÔNIOS

Tom era um dos mais tocados no mundo. Houaiss, o nosso maior filólogo. Callado, um de nossos melhores romancistas, e Candido, única unanimidade inteligente

Antonio Candido, que morreu na semana passada, era o mais velho do grupo que Dodô Brandão reuniu num almoço em 1993 para o documentário “3 Antônios e 1 Jobim”. Os outros eram o Houaiss, o Callado e o Jobim, o caçula e primeiro a morrer.

Como cada um à sua maneira e no seu gênero expressava uma ideia de país, o cineasta queria com eles dar um balanço do século XX, cujo final se aproximava.

Tom era um dos compositores mais tocados no mundo. Houaiss, o nosso maior filólogo. Callado, um de nossos melhores romancistas, e Candido, a nossa única unanimidade inteligente.

No começo, Bebeto Abrantes, o roteirista, Dodô, o diretor, e eu, o entrevistador, estávamos apreensivos, principalmente eu. Se o papo emperrasse, caberia a mim animar a roda. Mas não foi preciso, tive apenas que botar ordem na insubordinação meio infantil dos “quatro gaiatos”, conforme a definição do próprio Candido, para quem “uma das coisas trágicas do Brasil de hoje é a falta do verdadeiro riso.
O riso é profilático, ele limpa. Quando você começa a se levar a sério demais, está perdido”. 
Poucas vezes me diverti e aprendi tanto trabalhando.

Eles não só fizeram rir, mas também pensar, quando, por exemplo, tocaram em algumas de nossas mazelas. “Temos o pior ensino de base que a história da Humanidade tem visto”, declarou Houaiss, para quem há a agravante de que nossos dirigentes acreditaram que a solução estava “por cima”, na melhoria do ensino universitário, o que Candido considerou um grave erro. “É querer construir o primeiro andar da casa sem o alicerce”.

Os quatro concordaram em que “o Brasil perdeu a batalha da educação”.

Vinte e quatro anos depois, pode-se fazer idêntica constatação, da mesma maneira que se pode repetir o que Callado disse então: “É um país que não consegue andar para a frente porque todo mundo rouba as rodas do carro”.

Naquele ano, comemorava-se o 80º aniversário de Vinicius de Moraes, e Candido lamentava: “No momento, Vinicius não está na moda e eu acho uma grave injustiça”.

Tom (citando João Cabral): “O Vinicius é o maior poeta que o Brasil não teve”. E citando Drummond: “Vinícius é o único poeta que viveu como poeta”.

Houaiss: “É o maior poeta que o poeta não quis ser”. Para homenageá-lo, Candido declamou dele os seguintes versos: “Em que antárticas espumas/Navega o navegador?/Em que brahmas, em que brumas/Pedro Nava se afogou?”

Mas o número mais descontraído e inesperado dessas 15 horas que viraram um filme de 78 minutos a estrear em breve nos cinemas aconteceu no almoço numa churrascaria, quando os geniais gaiatos, soma de quase três séculos de sabedoria com humor e poesia, já tendo falado de Brasil, do mundo, de mulheres e de cultura, cantaram alto batucando na mesa “Com que roupa?”, de Noel Rosa.
Antônio Houaiss, Antônio Calado, Antonio Carlos Jobim e Antonio Candido  (Foto: Reprodução)
Antônio Houaiss, Antônio Calado, Antonio Carlos Jobim e Antonio Candido (Foto: Reprodução)

17 de maio de 2017
zuenir ventura é jornalista










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