"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 6 de junho de 2017

TREMORES SEGUIDOS

O evento Joesley foi um terremoto cujos tremores secundários ainda não acabaram. A empresa enfrentará enormes dificuldades, e os bancos ainda não dimensionaram todo o risco JBS. No julgamento do TSE, esse assunto estará presente, mesmo que não oficialmente. Na Lava-Jato, o acordo feito com o empresário dividiu a opinião pública, enfraquecendo o apoio à operação.

Os bancos começam agora a fazer as contas para entender a dimensão do risco JBS. E ele pode ser maior do que o imaginado. Há a exposição de diversas instituições, principalmente as públicas, ao passivo do grupo, mas há também o fato de que a situação está em aberto. Outras multas, processos, eventos podem atingir a empresa. Ela é enorme no mercado interno de carnes. Em algumas áreas do Brasil, o JBS é o único grande comprador da produção local e fornecedor, portanto, uma crise na companhia pode ter reflexos em cadeia. E nem todo esse risco está calculado.

No acordo de leniência que negociou com o Ministério Público, a holding J&F pagará muito mais do que imaginava no início, mas menos do que parece. A conta certa a fazer, segundo um graduado economista, é trazer a valor presente o pagamento que será feito em 25 anos, e não somar o valor nominal das parcelas a pagar. Trazido a valor presente, o custo será de R$ 6 bilhões. O Ministério Público exigiu, contudo, que a conta seja paga pelos controladores do grupo. Do contrário, os minoritários teriam que suportar parte do preço da corrupção dos irmãos Batista. Seria kafkiano se o BNDES tivesse que pagar parte dessa conta. Esse certamente não será o único custo a recair sobre a empresa.

Para a Lava-Jato, o evento Joesley teve duplo efeito. É o momento de maior poder dos investigadores. Nos próximos dias o presidente da República estará respondendo a um interrogatório da Polícia Federal. O simbolismo disso é enorme, ainda que as perguntas tenham que ser por escrito. A escolha do novo ministro da Justiça, Torquato Jardim, levantou muita suspeita sobre a tentativa de interferir na LavaJato. Ele tem negado.

O que causou mais estrago à operação foi a reação da opinião pública aos termos do acordo de delação que deu aos irmãos Batista a imunidade penal. A operação é uma travessia que estava sendo entendida pela população desta forma: o país está deixando a longa história da impunidade nos crimes dos poderosos e indo para o tempo do “erga omnes”, ou seja, aquele no qual a lei vale para todos. As vantagens dadas a Joesley e Wesley, a vida de Joesley em Nova York, consolidam a sensação de que mesmo entre os muito ricos do Brasil existe o “mais igual que os outros”. A imprensa publicou a comparação entre o que pesou sobre Marcelo Odebrecht e sobre Joesley Batista. Os dois têm vários pontos em comum. São herdeiros de grandes empresas e as fizeram crescer usando a corrupção, são os maiores financiadores de campanhas em caixa dois e tiveram contato direto com os presidentes do Brasil. Um está na cadeia e o outro na 5ª Avenida.

A semana passada foi boa para o presidente Temer e isso era previsível. Aqui eu escrevi que ele tentaria surfar nas boas notícias econômicas e foi o que ele fez. Nesta que começa ele ficará na berlinda porque será a do julgamento da chapa Dilma-Temer. Se houver algum pedido de vista será uma desmoralização para o TSE. Primeiro porque esse expediente tem sido entendido por todos como manobra do ministro que pede vista para evitar a decisão. Assim foi compreendido o movimento do ministro Alexandre de Moraes sobre a restrição ao foro privilegiado. Segundo, porque no terceiro ano do mandato, o TSE ainda não conseguiu julgar a ação que foi apresentada sobre a campanha de 2014. Neste caso, o tempo pode impedir a ação da Justiça. Apesar de a delação de Joesley Batista não integrar os autos e não poder ser usada como argumento ou prova, ela mudou o ambiente em relação ao presidente Michel Temer, enfraquecendo as articulações para salvá-lo no tribunal.

O evento Joesley continuará tendo efeitos no mundo jurídico, na economia e na política brasileiras. As placas tectônicas ainda estão se mexendo. Nada está garantido, nem mesmo o que o empresário conseguiu com sua esperteza: livrar-se de punições penais.


06 de junho de 2017
Miriam Leitão, O Globo

Nenhum comentário:

Postar um comentário