"Quero imaginar sob que novos traços o despotismo poderia produzir-se no mundo... Depois de ter colhido em suas mãos poderosas cada indivíduo e de moldá-los a seu gosto, o governo estende seus braços sobre toda a sociedade... Não quebra as vontades, mas as amolece, submete e dirige... Raramente força a agir, mas opõe-se sem cessar a que se aja; não destrói, impede que se nasça; não tiraniza, incomoda, oprime, extingue, abestalha e reduz enfim cada nação a não ser mais que um rebanho de animais tímidos, do qual o governo é o pastor. (...)
A imprensa é, por excelência, o instrumento democrático da liberdade." Alexis de Tocqueville
(1805-1859)

"A democracia é a pior forma de governo imaginável, à exceção de todas as outras que foram experimentadas." Winston Churchill.

terça-feira, 6 de junho de 2017

OLHA O QUE DISSE BEIRA-MAR NA CARA DO BOLSONARO

LULA E O PT NÃO "COMBINARAM" COM OS RUSSOS = 3 BILHÕES EM CAIXA, DIZ GILMAR MENDES

BOMBA! SÉRGIO MORO ENVIA DOCUMENTOS QUE COMPROVAM QUE ADVOGADO DE LULA MENTIU EM DEPOIMENTO

ANA AMÉLIA DETONA DEFESA DO PRESIDENTE LULA, POR GLEISI HOFFMANN

A HIPOCRISIA DOS "INTOLERANTES" QUE ODEIAM QUEM PENSA DIFERENTE. ALEXANDRE GARCIA: LONDRES É DIFERENTE

O QUE ESPERAR DA POLÍTICA MONETÁRIA?

Apesar de diferenças entre países, a Europa também retomou o crescimento
Os países desenvolvidos vêm gradativamente retomando o crescimento, mas o reconhecimento desta tendência é recente. Até há pouco ainda conviviam dois grupos: os que achavam intelectualmente excitante a ideia de que o mundo era vítima de uma “estagnação global”; e os que se assustavam com ela. O pedigree dos teóricos que referendavam aquela hipótese era atraente: foi inventada há algumas décadas por Alvin Hansen, e até hoje é insistentemente defendida por Larry Summers. Por alguma razão, a poupança dos países avançados teria crescido permanentemente em relação aos investimentos, jogando para baixo a taxa neutra de juros e levando os países ao paradoxo de que nem com juros reais negativos haveria crescimento. Estaríamos presos à “armadilha da liquidez” e, a menos que os países desenvolvidos se engajassem em uma política fiscal expansionista, o mundo estaria condenado à estagnação.

Infelizmente para seus adeptos, a hipótese tem sido negada pelos fatos. A economia dos EUA já chegou ao pleno emprego e continua crescendo, com o Fed abandonando medidas monetárias não convencionais iniciando a elevação da taxa de juros. Apesar de diferenças entre países, a Europa também retomou o crescimento. Onde está a estagnação? É possível que a economia de algum país esteja estagnada, mas este está muito longe de ser um fenômeno global. A hipótese enunciada por Reinhart e Rogoff pode ser menos atraente, mas na minha visão tem maior poder explicativo. O baixo crescimento dos países avançados seria decorrência do endividamento excessivo dos governos, empresas e famílias, e esta lição é importante para o caso brasileiro. Nossa dívida pública é grande demais e, apesar de todo o esforço do ajuste fiscal, deverá continuar crescendo nos próximos anos. Quanto ao setor privado, os dados para as empresas privadas não financeiras mostram um endividamento elevado, e a expansão acelerada do crédito às famílias as levou a um comprometimento de renda que se constitui em um freio ao consumo.

A duras penas as empresas vêm reduzindo sua dívida líquida em relação ao Ebitda, e as famílias vêm reduzindo o estoque de sua dívida, o que, combinado com juros mais baixos, deverá colocar a economia em recuperação. Mais preocupante, no entanto, é a perspectiva sobre o overhang da dívida pública. A emenda constitucional que congela os gastos primários em termos reais foi um primeiro passo, mas terá de ser seguida de reformas como a da Previdência, e complementada por revisões tributárias que elevem as receitas. Na ausência dessas duas ações, continuaremos assistindo a uma dinâmica perversa da dívida pública, que tende a elevar os riscos e a remover o espaço para uma queda mais acentuada da taxa de juros, que é fundamental para a retomada do crescimento.

Não temo o risco da dominância fiscal, que chegou a assustar ao final de 2015, mas o desequilíbrio fiscal deslocaria o balanço de riscos na direção de quedas menores da taxa de juros, com consequências desastrosas sobre a recuperação do crescimento e sobre a própria dinâmica da dívida.

Olhando para a força desinflacionária que vem do hiato negativo do PIB e para a queda acelerada da inflação, mesmo em meio à atual crise política, o Banco Central pode reduzir a taxa de juros, como o fez na última reunião do Copom. Mas, dependendo dos efeitos da crise política sobre a continuidade das reformas, no campo fiscal o balanço de riscos se desloca na direção de um menor grau de estímulos monetários.

Se não criarmos condições para que o País possa eliminar a percepção do risco vindo da dinâmica perversa da dívida, aprovando a reforma da Previdência e criando condições políticas para elevar impostos e/ou reduzir desonerações tributárias nos próximos anos, a perspectiva de crescimento da dívida bruta elevará os riscos, tolhendo os estímulos ao crescimento. Sem a resolução da crise política, a tendência é de redução dos graus de liberdade na condução da política monetária, o que, na melhor das hipóteses, levará o País a um crescimento econômico muito lento, piorando a dinâmica da dívida e elevando os riscos, o que fecha um círculo vicioso que é preciso evitar.


06 de junho de 2016
Affonso Celso Pastore, Estadão
EX-PRESIDENTE DO BANCO CENTRAL E SÓCIO DA A.C. PASTORE & ASSOCIADOS.

TEMER RESISTE, ENTRE ACORDÃO E DEPRESSÃO

O Brasil vai passar pelo maior período de regressão econômica desde o início do século 20, "agora é oficial". Além disso, vive uma guerra civil por outros meios, que não são os meios da política, mas do conflito institucional.

Descendo desse panorama depressivo à vulgaridade dos dias que correm, a definição do destino de Michel Temer deve causar repulsa à larga maioria dos brasileiros. Aumentaram as chances de que o presidente resista no cargo. Caso sucumba, a coalizão no poder será reposta por si mesma, por eleição indireta, a não ser talvez em caso de insurreição nas ruas.

Ainda que a solução atenda a desejos pragmáticos da elite de empresas e finança, é quase certo que o programa reformista saia avariado da crise e que o crescimento seja ainda mais rebaixado até 2018.

Pode ser ainda pior caso Temer, o Terrífico, permaneça no Palácio do Planalto sangrando a cada batida da polícia, a cada vazamento de inquérito. Mais: embora tenha votos para evitar um remoto impeachment, o presidente mal controla metade dos votos do Congresso, dizem seus aliados.

O crescimento deste ano vai sendo revisto de quase nada para nulo ou menos que isso. Será de qualquer modo o quarto ano de regressão do PIB per capita, um quadriênio de redução de renda maior que o de 1981-84, que ajudou a dar cabo de uma ditadura: quase 10% de perda, uma situação de guerra.

Talvez o desespero seja menor agora, pois a proteção social é muito mais ampla; a renda média é o dobro da registrada nos 1980. Mas o povo não mede sua revolta por comparações estatísticas, nem existe termômetro que alerte para explosões nas ruas.

A crise política, por sua vez, é apenas parte de convulsão maior, um combate cada vez mais extremado entre parte do sistema de Justiça (juízes, procuradores, polícia) e o sistema político. Isso é óbvio, mas são menos
evidentes as consequências da radicalização do conflito.

O sistema político vai combater pela sua sobrevivência. Vai se tornar mais repulsivo aos olhos do eleitorado quanto maiores o acordão ou a chicana que consiga aprovar. A Procuradoria-Geral se torna mais agressiva. Em semanas, deve denunciar políticos graúdos às carradas e irá à jugular de Temer. Levará o caso ao Supremo, que terá então de decidir se afasta o presidente para o processo.

Até a última flutuação dos humores político-judiciais, os relatos eram que Temer venceria no Tribunal Superior Eleitoral. Quanto aos donos do dinheiro grosso, a revolta com a nova instabilidade político-econômica, que era muda, se tornou gritante atrás das cortinas. Com ou sem Temer, quer-se o fim do tumulto, tanto faz quem seja o regente reformista.

Na política politiqueira, Rodrigo Maia, presidente da Câmara, se tornou a solução mais provável para uma cada vez mais improvável queda do presidente. O PSDB foi isolado por afoiteza, soberba e rachaduras internas.

A coalizão no poder talvez resista sob o comando de uma aliança dos partidos carcomidos maiores, coadjuvantes nos últimos quase 30 anos: DEM e PMDB.

Em suma, estão dados os motivos de um voto de grande revolta na eleição do ano que vem: repulsa política e sofrimento econômico enormes. Aduba-se o terreno para candidaturas e programas aventureiros.


06 de junho de 2017
Vinicius Torres Freire, Folha de SP

TEMER, POR INÉRCIA

Rocha Loures é a maior ameaça a Michel Temer, que vai ficando por falta de opções

O ex-presidente Lula é réu cinco vezes, já, já, vai virar pela sexta e está sendo chamado pelo MPF a pagar multa de R$ 87 milhões só no caso do triplex. O quase ex-senador Aécio Neves foi denunciado pela PGR na sexta-feira no rumoroso caso da JBS, que ainda vai longe. E o presidente Michel Temer acordou ontem com um pesadelo: a PF prendeu o ex-deputado Rocha Loures, considerado seu braço direito e um delator com alto poder de destruição.

O que há em comum em tudo isso, além da força e da determinação dos procuradores, policiais e juízes na maior operação de combate à corrupção do planeta? Todos os principais partidos do país, o PT de Lula, o PSDB de Aécio e o PMDB de Temer chafurdaram nas piores práticas políticas e afundam juntos na Lava Jato.

Como falar em eleições diretas para presidente num ambiente assim, com lama para todo lado? É lindo gritar, ou cantar, “diretas já”, mas a Constituição não autoriza, não há tempo para mudá-la e maior parte da sociedade, que não é boba, não se engajou nessa festa. Nem os partidos estão preparados, nem os candidatos animam.

Dois desastres previsíveis: a vitória de um réu cinco vezes, acusado de ser o grande cérebro e articulador da corrupção institucionalizada, e Bolsonaro virar ídolo nacional. Onde ele vai, já é recebido como salvador da pátria, abrindo filas para selfies. Já imaginaram num palanque agora, com o país em chamas e a política em cinzas?

Quanto às eleições indiretas: os partidos que têm mais votos e maior capacidade de puxar votos no Colégio Eleitoral são exatamente o PMDB de Temer e o PSDB de Aécio, que estão de quarentena. Aliás, alguém precisa dar um toque nos meninos tucanos, os deputados de cabelos pretos que querem pular do barco Temer. Soa entre esquizofrênico e hipócrita. Depois do papo de Aécio com Joesley Batista derrubar Temer por um papo com Joesley Batista? Numa hora dessas?

Num rasgo de lucidez, onde o que menos há é lucidez, o petista Jaques Wagner, ex-governador da Bahia e ex-chefe da Casa Civil de Dilma, desembarcou em Brasília para o congresso do PT com duas frases inquestionáveis: “o Brasil não é parlamentarista para trocar de presidente de seis em seis meses” e “se for eleição indireta, Temer tem mais legitimidade, afinal, era vice”.

Se cair uma bomba sobre Temer, se a PGR tiver um caminhão de provas contra ele e se Rocha Loures disser – e provar - que era apenas carregador de malas de dinheiro do presidente, não tem jeito. Temer terá de ser trocado. Até lá, ele se beneficia de três fatores e vai ficando: apesar de tudo, a economia anda para a frente, os juros continuam caindo e o PIB parou de cair; falta autoridade moral no mundo político para trocá-lo; nenhum nome se impôs consensualmente para sucedê-lo.

Temer, portanto, fica por inércia. A política se move muito, faz muita espuma, mas rodando em círculos, sem ir a lugar nenhum, imobilizada pela Lava Jato e os próprios erros monumentais.

Do outro lado, a Força Tarefa anda resolutamente a passos largos e o procurador geral da República, Rodrigo Janot, em desabalada carreira, faz tudo o que tem e acha que deve fazer até setembro, quando entrega o bastão para seu sucessor, ou sucessora.

Temer balança num equilíbrio dificílimo, portanto, contando com o pragmatismo do setor privado, que dá absoluta prioridade à recuperação da economia e tenta relevar essas “questõezinhas morais”, e com a situação dramática da sua base aliada e da própria oposição, que mal se seguram nas próprias pernas. Atire a primeira pedra! Não chega a ser engrandecedor, nem animador, mas é o que temos...


06 de junho de 2017
Eliane Cantanhede, Estadão

UM DEBATE SOBRE PREVIDÊNCIA

Meu interlocutor argumentou que os benefícios previdenciários no Brasil são baixos. Que é muito difícil viver com dois salários mínimos.

Respondi que a renda per capita do país é baixa e por isso o benefício médio da aposentadoria é baixo. No entanto, nosso salário mínimo já corresponde a 70% do salário mediano do país.

Meu interlocutor respondeu-me que o Brasil não era um país pobre; era a décima economia do mundo.

Respondi que, para esse tema, é errado olhar o tamanho absoluto da economia –somos a décima economia porque nossa população é grande. Temos de olhar a nossa renda per capita. Nesse critério, estamos entre a 60ª e a 70ª posição. Estranho ter que fazer esse argumento para um economista formado.

Em seguida, argumentei que gastamos com Previdência –incluindo aposentadorias e pensões, setor privado e público, população urbana e rural e o benefício de prestação continuada– 14% do PIB (Produto Interno Bruto), despesa três vezes maior do que a de economias com a mesma demografia do que a nossa. Adicionalmente, a conta da Previdência responde por 55% do gasto primário da União, de um Estado com uma das maiores cargas tributárias entre os emergentes.

Meu interlocutor respondeu-me que ninguém olha a conta de juros e que essa conta é muito maior do que a previdenciária.

Argumentei que a conta de juros é salgada pois os juros reais são muito elevados no Brasil. O principal motivo de os juros reais serem elevados no Brasil é que nossa taxa de poupança é ridiculamente baixa, e taxa de poupança baixa é a contrapartida de um Estado que gasta muito com Previdência.

Adicionalmente, os juros pagos pelo Tesouro Nacional aos detentores de títulos da dívida pública –os poupadores ou os rentistas, tanto faz– são muito menores do que algumas contas sugerem. Vários erros são cometidos.

O primeiro é considerar que a amortização da dívida pública constitui um gasto público. Suponha que um inquilino tenha de deixar o apartamento em que vive, pois ele foi requisitado pelo senhorio. Entrega o imóvel e aluga outro. Ninguém em sã consciência considera que ao entregar o imóvel a pessoa gastou o valor do imóvel. O imóvel nunca lhe pertenceu. Analogamente, amortização da dívida pública é a devolução de um recurso que nunca pertenceu ao Tesouro. Não constitui uma conta do gasto público.

Outro erro comum é considerar que a correção monetária da dívida pública corresponde a um item do gasto público. A correção monetária não é renda para o poupador (ou rentista, tanto faz), pois somente repõe a perda de valor da poupança pelo aumento dos preços; logo não é gasto para quem paga.

A conta de juros reais pagos sobe ou desce de acordo com a política monetária. Ao longo do tempo, é de aproximadamente 3% a 4% do PIB. A conta é salgada, mas bem menos do que se pensa.

Meu interlocutor afirma que o baixo crescimento da produtividade no Brasil precisa ser enfrentado como os asiáticos fizeram: estímulo à indústria.

Não nota que no leste asiático os juros são baixos. Juros baixos favorecem a indústria e o investimento em infraestrutura física, ambos intensivos em capital. O crescimento será bem maior.

Os juros são baixos pois lá a poupança é elevada. Esta, por sua vez, é elevada pois a Previdência é considerada um tema privado. O Estado pouco gasta com Previdência, e a carga tributária é baixa.
O círculo se fechou.

06 de junho de 2017
Samuel Pessoa, Fola de SP

TREMORES SEGUIDOS

O evento Joesley foi um terremoto cujos tremores secundários ainda não acabaram. A empresa enfrentará enormes dificuldades, e os bancos ainda não dimensionaram todo o risco JBS. No julgamento do TSE, esse assunto estará presente, mesmo que não oficialmente. Na Lava-Jato, o acordo feito com o empresário dividiu a opinião pública, enfraquecendo o apoio à operação.

Os bancos começam agora a fazer as contas para entender a dimensão do risco JBS. E ele pode ser maior do que o imaginado. Há a exposição de diversas instituições, principalmente as públicas, ao passivo do grupo, mas há também o fato de que a situação está em aberto. Outras multas, processos, eventos podem atingir a empresa. Ela é enorme no mercado interno de carnes. Em algumas áreas do Brasil, o JBS é o único grande comprador da produção local e fornecedor, portanto, uma crise na companhia pode ter reflexos em cadeia. E nem todo esse risco está calculado.

No acordo de leniência que negociou com o Ministério Público, a holding J&F pagará muito mais do que imaginava no início, mas menos do que parece. A conta certa a fazer, segundo um graduado economista, é trazer a valor presente o pagamento que será feito em 25 anos, e não somar o valor nominal das parcelas a pagar. Trazido a valor presente, o custo será de R$ 6 bilhões. O Ministério Público exigiu, contudo, que a conta seja paga pelos controladores do grupo. Do contrário, os minoritários teriam que suportar parte do preço da corrupção dos irmãos Batista. Seria kafkiano se o BNDES tivesse que pagar parte dessa conta. Esse certamente não será o único custo a recair sobre a empresa.

Para a Lava-Jato, o evento Joesley teve duplo efeito. É o momento de maior poder dos investigadores. Nos próximos dias o presidente da República estará respondendo a um interrogatório da Polícia Federal. O simbolismo disso é enorme, ainda que as perguntas tenham que ser por escrito. A escolha do novo ministro da Justiça, Torquato Jardim, levantou muita suspeita sobre a tentativa de interferir na LavaJato. Ele tem negado.

O que causou mais estrago à operação foi a reação da opinião pública aos termos do acordo de delação que deu aos irmãos Batista a imunidade penal. A operação é uma travessia que estava sendo entendida pela população desta forma: o país está deixando a longa história da impunidade nos crimes dos poderosos e indo para o tempo do “erga omnes”, ou seja, aquele no qual a lei vale para todos. As vantagens dadas a Joesley e Wesley, a vida de Joesley em Nova York, consolidam a sensação de que mesmo entre os muito ricos do Brasil existe o “mais igual que os outros”. A imprensa publicou a comparação entre o que pesou sobre Marcelo Odebrecht e sobre Joesley Batista. Os dois têm vários pontos em comum. São herdeiros de grandes empresas e as fizeram crescer usando a corrupção, são os maiores financiadores de campanhas em caixa dois e tiveram contato direto com os presidentes do Brasil. Um está na cadeia e o outro na 5ª Avenida.

A semana passada foi boa para o presidente Temer e isso era previsível. Aqui eu escrevi que ele tentaria surfar nas boas notícias econômicas e foi o que ele fez. Nesta que começa ele ficará na berlinda porque será a do julgamento da chapa Dilma-Temer. Se houver algum pedido de vista será uma desmoralização para o TSE. Primeiro porque esse expediente tem sido entendido por todos como manobra do ministro que pede vista para evitar a decisão. Assim foi compreendido o movimento do ministro Alexandre de Moraes sobre a restrição ao foro privilegiado. Segundo, porque no terceiro ano do mandato, o TSE ainda não conseguiu julgar a ação que foi apresentada sobre a campanha de 2014. Neste caso, o tempo pode impedir a ação da Justiça. Apesar de a delação de Joesley Batista não integrar os autos e não poder ser usada como argumento ou prova, ela mudou o ambiente em relação ao presidente Michel Temer, enfraquecendo as articulações para salvá-lo no tribunal.

O evento Joesley continuará tendo efeitos no mundo jurídico, na economia e na política brasileiras. As placas tectônicas ainda estão se mexendo. Nada está garantido, nem mesmo o que o empresário conseguiu com sua esperteza: livrar-se de punições penais.


06 de junho de 2017
Miriam Leitão, O Globo

É INVESTIMENTO OU É CORRUPÇÃO?

Pairam dúvidas sobre a confiabilidade desses números, já que muitos recursos sumiram em malas pretas

Se o investimento hoje é produção amanhã, então estamos mal também por esse lado.

O investimento é um dos componentes do PIB, pela óptica da demanda. E vem tendo comportamento medíocre. No PIB, o investimento leva o nome de Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF). Em 2013 andava por volta dos 21% do PIB, volume que já era baixo para o País que pretendia crescer 4% ao ano. Para isso, seria necessário um investimento de pelo menos 24% do PIB. Mas nos últimos três anos, veio mergulhando mais. No primeiro trimestre de 2017, caiu 28% em relação a mesmo período de 2014: ficou nos 15,7% do PIB.

Ainda assim, pairam dúvidas sobre a confiabilidade desses números. Um exemplo é o efeito produzido pela corrupção, que o IBGE pouco consegue mensurar. Nos últimos três anos, a Petrobrás extirpou dos balanços nada menos que R$ 115,25 bilhões de investimentos em refinarias e subsidiárias, na verdade desviados para corrupção.

Não é só a Petrobrás. Os recursos escorreram em outras estatais, nas obras das hidrelétricas, dos estádios da Copa, das rodovias... Mas esses pseudoinvestimentos seguem nas séries históricas do IBGE. Em novembro, será divulgado o PIB definitivo de 2015, última vez que o IBGE se debruçará sobre aquele ano, provavelmente sem conseguir dar baixa em muito dinheiro que era investimento, mas sumiu em malas pretas.

O que acontece com o Investimento Direto no País (IDP) também exige atenção e reparos. Desde 2015, o Banco Central, responsável pelas estatísticas de entrada e saída de capitais estrangeiros, adota o critério do Fundo Monetário Internacional, que inclui empréstimos intercompanhias nos investimentos estrangeiros.

A entrada líquida dos investimentos estrangeiros mostra grande força. Nos últimos seis anos, atingiram US$ 507,46 bilhões. Apesar da crise braba, para este ano, esperam-se outros US$ 75 bilhões. É um desembarque saudado como prova de confiança na economia do Brasil.

O problema está nos empréstimos intercompanhias. Boa parte não é investimento. Destina-se ou a comprar participações em negócios já existentes e, nesse caso, se limita a cobrir transferências de ações ou, então, não passa de operações de arbitragem com juros.

Quando corresponde à compra de instalações já existentes, não atua como investimento novo, embora seja registrada assim. As operações com arbitragem com juros são entradas líquidas de dinheiro barato levantado no mercado internacional que aqui abocanham rendimentos no generoso mercado financeiro, sem aumentar a capacidade de produção do País.

Estimativas da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e Globalização Econômica (Sobeet) são de que os investimentos estrangeiros sobre o total de investimentos no Brasil foram de 13,4% em 2014 e de 26,8% em 2016. Mas somente o Banco Central tem como separar investimento de operações destinadas a tirar proveito dos juros. E ele não conta os números a ninguém. /COM RAQUEL BRANDÃO E LETICIA FUCUCHIMA, ESPECIAL PARA O ESTADO

CONFIRA

» Números inflados

Em complemento ao que ficou dito acima, certos analistas também entendem que os números dos Investimentos Diretos no País (IDP) estão inflados. Como esses recursos não se destinarão necessariamente ao setor produtivo, podem não contribuir para aquecer a economia. Bruno Lavieri, consultor da 4E, é um deles. Para ele, as estatísticas do IDP são pouco esclarecedoras pelas razões já apontadas: ou porque não passam de compra de participação acionária, dinheiro que pode ficar no bolso do sócio anterior, ou porque podem ser operações disfarçadas de arbitragem com juros.

» Depois melhora
Fabio Silveira, sócio-diretor da consultoria MacroSector, vê as movimentações de aquisição de participação acionária com mais otimismo. Os estrangeiros podem estar comprando apenas ativos de empresas nacionais, mas o mais comum é que, em algum momento, invistam mais, não só para aumentar a capacidade de produção, mas, também, para transferir tecnologia.


06 de junho de 2017
Celso Ming, Estadão

'O EU DIÁRIO'

Quando você acessa alguma rede social em busca de notícias, acaba lendo um "jornal" que poderia muito bem receber o nome de "O Eu Diário". É que quem se informa apenas pelas redes acaba adquirindo um conteúdo ultrafiltrado, que exclui tudo o que o titular da conta não aprecia. O "noticiário" esportivo fala apenas do seu time; o político, do partido com o qual você se identifica; e as páginas de opinião trazem justamente as opiniões com as quais você já concorda.

Para alguns, essa poderia ser a definição de vida perfeita: um filtro que elimina tudo aquilo de que eu não gosto. Mas, como o mundo não é tão simples, a prática tem alguns efeitos colaterais deletérios. É esse o tema central de "#republic", de Cass Sunstein. Para o autor, as câmaras de eco em que as redes sociais nos colocam acabam reforçando a fragmentação e a polarização da sociedade. Sunstein analisa com competência a literatura psicológica que mostra por que e em quais condições isso ocorre. Para ele, as redes tratam as pessoas como consumidoras e não como cidadãs, e a diferença é importante para a democracia.

Se, no registro do consumo, podemos perfeitamente nos pautar apenas por nossos gostos e idiossincrasias, no da cidadania, precisamos nos expor a assuntos e ideias que não fazem parte de nossa pauta favorita. É preciso até ouvir e avaliar argumentos com os quais não concordamos.

Sem isso, os aspectos mais deliberativos de nossa democracia, que só funcionam em condições muito específicas, entram em colapso. E não é só. Sem uma base comum de problemas e ideias que valem a pena discutir, não temos nem sequer uma linguagem que possa ser usada -e compreendida- por todos.

Para Sunstein a questão não é se devemos ou não regular a internet e a liberdade de expressão, mas como fazê-lo para preservar ao máximo as vantagens da rede, as liberdades civis e a saúde da República.


06 de junho de 2017
Hélio Schwartsman, Folha de SP

JOESLEY, O ANJO DO APOCALIPSE

Nos apertos pessoais como nas crises nacionais, cada um recorre à sua Bíblia. Economistas abraçam o breviário ortodoxo. Políticos peregrinam aos cardeais. Movimentos sociais brigam. Cidadãos comuns rezam. E crentes, como Deltan Dallagnol, esperam o armagedom.

O purgatório instaurado por Joesley Batista, esse nome meio protestante, virou um inferno. Labaredas nos ministérios, fúria nas redes sociais e nas ruas, e braseiro sob a cadeira presidencial.

Mas quem é o arauto do apocalipse? Um fanfarrão, disse Temer. Ou, quiçá, um anjo caído, rebelado contra seus criadores. Joesley parece criatura de ficção, daquelas que fazem pacto com o demônio. Ou que o encarnam.

Em "A Igreja do Diabo" encontra-se seu molde. Narra Machado de Assis que o dito-cujo, insatisfeito com seu papel secundário, "embora os seus lucros fossem contínuos e grandes", resolveu copiar Deus e fundar a própria igreja. Joesley fez o mesmo: uma confraria patriarcal, enraizada na família, e globalizada, com tentáculos no inferninho capitalista internacional.

Seu apostolado, contou à Justiça, entre jocoso e singelo, não inquiria o passado do converso. Igreja ecumênica. Acolheu pecadores de todos os partidos, provectos e iniciantes, à direita e à esquerda, do governo e da oposição.

Joesley foi pastor longevo, atravessou mandatos, jamais detido por cara feia ou porta fechada. Pregava a venalidade. Como o diabo no conto de Machado, via aí um "direito superior a todos os direitos", pois "como é que não podes vender a tua opinião, o teu voto, a tua palavra, a tua fé, coisas que são mais do que tuas, porque são a tua própria consciência (...)?". Mas se precavia, como ao eleger a calada da noite e a entrada pela garagem, ao tratar desses assuntos de consciência com o presidente.

Muitos se converteram à igreja do diabo. Joesley persuadia com o recurso que é o demônio feito coisa: o dinheiro. Distribuía quantias em montes, magotes, mochilas.

Quando o pecador veio a público, a ira santa se abateu. Colunistas, tuiteiros, facebuquistas sacaram seu metro moral. Impropérios contra a corrupção como decadência ética, julgamentos sobre o caráter de corruptores e corrompidos.

De fato, Joesley e demais falcatrueiros não são modelos de conduta, mas o dinheiro que embolsam e distribuem não nasce nas malas. Veio de negócios tecidos, por décadas, entre empresários, governos, congressistas, magistrados e outras eminências do mundo público. O profeta jamais pregou no deserto.

É tentador pensar que o dinheiro corrompe a política. Mas aí, como em toda parte, não há santos. A lisura dos negócios públicos não pode depender da boa índole dos cidadãos. Precisa de regras e instituições que a garantam. Por isso a Lava Jato é faca de dois gumes.

Visar fins nobres, mas se descuidar da retidão dos meios de alcançá-los pode acelerar o fim desse mundo, sem erigir o novo que apregoa. E de que adiantará mandar ao inferno petistas, peessedebistas, peemedebistas, se o funcionamento geral continuar o mesmo? Ou alguém supõe que das cinzas do apocalipse surgirá um país purificado, com nova elite de incorruptíveis? Só se os anjos descessem do céu. E não se matriculassem na escola de Lúcifer.

O tom moral dos projetos de salvação nacional ignora que viemos todos da mesma costela de Adão. E os imaculados de ontem, Aécio Neves atesta, são os decaídos de amanhã. As instituições devem operar por regras impessoais, válidas para ímpios e santos.

A democracia não é o reino da virtude. É um regime de regras de convivência civilizada entre diferentes e antagonistas, supondo-se que nenhum deles –nem políticos, nem juízes, nem qualquer outra categoria que o reivindique– seja angelical. E no regime democrático não é pecado disputar os rumos da vida pública. Lúcifer disputou com Deus, criando o próprio partido, de modo que nem a Bíblia solapa a política.

O apocalipse está longe do fim, mas o capítulo Joesley já achou seu desfecho machadiano. Em "A Igreja do Diabo", o demônio, depois de estrondoso sucesso, vê-se traído: pecadores, às escondidas, cometem pequenas virtudes. Joesley foi mais tinhoso. Praticou uma virtude grande, a de entregar todos os fiéis de sua igreja. E nem precisou de ave-marias. Confessou-se e granjeou indulgência. Depois voou, livre, leve, solto, para o paraíso da Quinta Avenida.


06 de junho de 2017
Angela Alonso, Folha de SP

NEM TUDO É IDEOLOGIA

O "Economista como Encanador" é o título da palestra apresentada por Esther Duflo no encontro anual dos economistas americanos neste ano.

O título decorre da crescente participação dos economistas na implementação de políticas públicas que, com frequência, enfrentam problemas de corrupção, de concessão indevida de benefícios ou não obtêm os resultados esperados.

O Bolsa Família, por exemplo, é concedido com base na renda reportada no Cadastro Único, que por vezes subestima a renda verdadeira, e leva à concessão de benefícios acima do previsto.

Esses desvios, porém, poderiam ser significativamente reduzidos caso fossem utilizados os demais dados do cadastro, que permitem uma melhor inferência da renda familiar.

O economista-encanador deve partir dos objetivos da política pública, verificar as causas dos eventuais desvios e propor instrumentos, indicadores e incentivos que garantam os resultados esperados.

Os detalhes do caso particular importam. Duflo discute diversos exemplos, como o desenho da política de acesso à água e saneamento, a distribuição de alimentos subsidiados para famílias de baixa renda ou a implementação de obras de infraestrutura e a geração de empregos em comunidades pobres financiadas pelo governo central.

O tema da palestra contrasta com a economia no Brasil, quase sempre dominada por discussões, frequentemente estéreis, sobre poucos preços, como juros e câmbio, e intervenções com resultados decepcionantes, como as adotadas a partir de 2008.

Além do economista encanador, há também o economista engenheiro que desenha mecanismos para melhor distribuir os recursos existentes.

Todo ano, cerca de 20 mil médicos são formados nos Estados Unidos, com habilidades e especializações diversas. Há, igualmente, muitas vagas abertas em hospitais. O desafio é garantir a melhor alocação possível dos jovens médicos aos empregos disponíveis.

Como no casamento, podemos fazer uma escolha provocada por encontros fortuitos e mais tarde descobrir que havia outras opções que fariam todas as partes mais felizes.

O mesmo ocorria com o processo de alocação dos jovens médicos. Desde os anos 1950, os economistas começaram a desenvolver mecanismos para resolver os problemas observados e culminaram com um algoritmo desenvolvido por Alvin Roth que tem sido extremamente eficaz na prática.

As muitas contribuições de Roth incluem casos surpreendentes, como o desenho de mecanismos para aumentar o número de transplantes para pacientes com insuficiência renal crônica. Roth ganhou o Prêmio Nobel em 2012.

A economia não se reduz à ideologia. Vale a pena conhecer a técnica.



06 de junho de 2017
Marcos Lisboa, Folha de SP

O QUE PRECISA SER ESCLARECIDO

Diligência do procurador-geral da República, que deseja colher o depoimento do presidente Michel Temer o quanto antes, contrasta com sua atuação a respeito do áudio que registrou a conversa entre Temer e Joesley Batista

Nos últimos dias, o procurador-geral da República tem atuado no inquérito aberto com a delação da JBS, que envolve o presidente da República, com uma pressa que contrasta com o vagar observado nos outros casos da competência do sr. Rodrigo Janot. Até a própria delação do sr. Joesley Batista, que o sr. Janot assegura versar sobre muitos e graves crimes ainda não revelados, esperou boas semanas na gaveta do procurador-geral até que lhe fosse dado encaminhamento. E o caso só veio a público graças a ilegal e ainda não esclarecido vazamento.

A fulgurante diligência do procurador-geral da República, que deseja colher o depoimento do presidente Michel Temer o quanto antes, contrasta, por exemplo, com sua atuação a respeito do controvertido áudio que registrou a conversa entre Temer e Joesley Batista no Palácio do Jaburu. Mesmo tão interessado em investigar a fundo as denúncias contra o presidente da República, o procurador-geral convenceu-se de cara de que é veraz o que se ouve naquela gravação, pois a considerou como prova sem tê-la submetido a perícia, uma providência que deveria ser trivial. E dali tirou conclusões sobre o comportamento de Temer que a íntegra da gravação, posteriormente conhecida de todos, mal sustenta.

O sr. Janot informou que não mandou periciar antes a gravação por receio - atenção! - de que seu conteúdo pudesse vazar e, assim, comprometer a operação em curso. Debalde, pois parece não haver encanador capaz de conter os vazamentos.

Agora, o sr. Janot, malgrado todo o cuidado que diz ter, deseja, com a mais veemente celeridade, que o presidente Michel Temer se manifeste - perante a Justiça - sobre um caso montado sobre um áudio a respeito do qual não se sabe se merece inteiro crédito, já que não houve, até o momento, perícia do material. Recorde-se, ademais, que ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) já observou que existem naquele tribunal processos relativos à Lava Jato à espera de providências da Procuradoria.

Para o procurador-geral, no entanto, bastam as impressões derivadas do que ouviu naquela gravação, corroboradas, segundo ele, por “outras provas” - majoritariamente testemunhais, oferecidas por associados do sr. Joesley Batista, empresário muito interessado em entregar ao Ministério Público o que os procuradores desejam, isto é, a nata da política nacional, obtendo em troca dadivosos benefícios. O sr. Janot parece tão certo da culpa do presidente que disse ter constatado nos pronunciamentos públicos de Temer a respeito de seu encontro com Joesley Batista uma “confissão espontânea”.

No mesmo diapasão age o ministro Edson Fachin, do STF. Ele acolheu o pedido do sr. Janot para que o presidente de República responda em 24 horas às perguntas a serem feitas pela Polícia Federal, embora tenha dado à Polícia Federal nada menos que 30 dias para realizar a tal perícia da gravação apresentada pelo sr. Joesley Batista.

A disparidade de tratamento é tão notável que não se pode condenar quem, porventura, fique cismado. Afinal, nem uma coisa nem outra se justifica - nem a pressa de ouvir o presidente Temer sobre o conteúdo de uma gravação ainda não periciada nem a demora em realizar a tal perícia. Alega-se que, no caso, há réu preso e isso justifica a urgência do depoimento de Temer. Será esse o único caso em que há réu preso? Nos demais casos, não há a necessidade de urgência?

Também chama a atenção o fato de tudo isso estar ocorrendo às vésperas da sessão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) que vai analisar a ação contra a chapa Dilma-Temer por suposto abuso de poder econômico. Mais uma vez, não se pode ignorar que os embaraços jurídicos e políticos enfrentados agora por Michel Temer podem ter alguma influência na decisão da Justiça Eleitoral.

Desde que o escândalo da gravação estourou, há quem defenda que a cassação da chapa no TSE seria uma “saída honrosa” para Temer, seja lá o que isso signifique. Se assim for, os tribunais estarão sendo usados para a produção de fatos políticos de extrema gravidade. E não seria a primeira vez, como infelizmente sabemos. Isso, sim, precisa ser esclarecido o mais rapidamente possível, mas parece que, sobre esse assunto, não há a menor pressa.



06 de junho de 2017
Ediotorial O Estaão

"BILLIONS" TRIUNFA COM VILÕES REALISTAS QUE LEMBRAM CASO JBS

Joesley & Wesley podem ensinar uma coisa ou duas a Bobby Axelrod, o protagonista do elétrico drama financeiro "Billions", cuja segunda temporada terminou em maio (e está inteira na Netflix). Os empresários-delatores de Goiás e o megainvestidor fictício de Nova Jersey, afinal, têm mais em comum do que daria a entender seu descompasso capilar.

A série, produzida e exibida nos EUA pelo canal pago Showtime, já tem terceira temporada confirmada para o ano que vem. É o trunfo da inteligência sobre a pirotecnia e o apelo fácil, já que a a produção se ampara essencialmente no roteiro engenhoso e nas atuações gigantescas de Paul Giamatti ("Sideways") e Damian Lewis ("Homeland") como o promotor federal e o dono de uma firma de investimentos movidos primariamente por ódio mútuo.

O que torna esta temporada especial (a coluna já havia abordado o primeiro ano da série em fevereiro) é o vigor dos roteiristas para, após alguns episódios arrastados que seguiram uma estreia bastante bem-sucedida, recobrarem o roteiro e produzirem um final perfeito que não só fecha a história de forma satisfatória como abre a porta para uma temporada mais centrada em política (e aí entra a similaridade com os irmãos Batista).

As reviravoltas são constantes, sem serem inverossímeis; as nuances dos personagens são tantas que é difícil assumir torcidas e apostas.

É fácil apontar "House of Cards" com suas intrigas políticas e seus crimes de poder como a epítome do nosso tempo, mas talvez seja "Billions" e seu desapreço pelas regras em nome do ego e do lucro que explique melhor esses anos revoltos.

Aqui, mocinho e bandido se confundem o tempo todo, com o lado supostamente "do bem" movido pela vaidade e o desejo de ascensão, metido em jogos sexuais fetichistas e usando subordinados e parentes para atingir fins pouco nobres.

Do outro lado, o vilão é sujeito família, o "self-made man" que constrói com destreza a riqueza que a sociedade americana apregoa, e é idolatrado pela sua habilidade de usar brechas na mal regulada indústria financeira para alavancar lucros e ambições que nem sempre têm a ver com dinheiro. Ambos filhos inegáveis da meritocracia, ambos prontos para fecharem a primeira delação ou usarem o primeiro grampo que lhes convier.

O centro desta temporada são duas grandes operação que lança mão de informações privilegiadas obtidas de forma pouco heterodoxa (tipo compra de dólares quando se sabe que o câmbio da moeda saltará) e as pretensões eleitorais do promotor Chuck Rhoades (Giamatti).

A dimensão pessoal também avança, com o crescimento da personagem de Maggie Siff, a inacreditavelmente "isentona" psicóloga que é mulher do promotor e confidente de seu investigado, e a introdução da protegée genial que não se identifica como homem nem como mulher vivida por Asia Kate Dillon —intérprete excelente que, aliás, se apresenta da mesma forma. Ah. E há Marie-Louise Parker, que deve ficar em 2018.


06 de junho de 2017
Luciana Coelho, Folha de SP

FACHIN EM JANTAR COM JOESLEY, O FOLGADÃO, E RENAN, QUE VAROU A MADRUGADA? PODE ISSO? NÃO!...

Ministro tem de abrir mão da relatoria nesse caso, que nem petrolão é; sua proximidade com pessoas da J&F o desabilitam a ser um árbitro tão generoso, não é mesmo?

O Brasil já vive hoje sob uma virtual ditadura do Ministério Público Federal. Parte considerável de seus integrantes, capitaneados por Rodrigo Janot, resolveu privatizar a democracia. Parlamentar, ministro ou magistrado grampeados que expressarem uma opinião favorável ao projeto que muda a lei que pune abuso de autoridade, por exemplo, podem ser acusados pelo digníssimo Rodrigo Janot de “obstrução da investigação”. E, por favor!, não ousem nem mesmo fazer perguntas a Edson Fachin, o relator do petrolão, que homologou a delação que deu salvo-conduto para um bandido como nunca houve no país. Pois é… Ocorre que terei de fazer as perguntas:

– ministro Edson Fachin, quando apenas candidato ao STF, o senhor esteve num jantar com Joesley Batista, em Brasília, que começou por volta de 21h e só terminou às 6h do dia seguinte?;
– a esse jantar, na casa que o empresário mantém na capital, não estava presente o senador Renan Calheiros (PMDB-AL), que resistia à sua candidatura?;
– o senhor, por acaso, não saiu dali, de manhã, e foi direto para o aeroporto?;
– o sr. lembra o que serviram no jantar?;
– e qual foi o cardápio de conversa tão demorada?;
– ao fim do encontro, Renan já estava convencido?

Além do ridículo
Olhem, essa questão está indo além do limite do ridículo. Todo mundo sabe em Brasília que Fachin visitou o gabinete de alguns senadores, quando ainda candidato ao posto, escoltado por ninguém menos do que Ricardo Saud, que vinha a ser justamente o homem da mala da J&F. Era ele que pagava boa parte dos “benefícios” a quase 2 mil políticos, na contabilidade admitida pelo próprio Joesley.

“Está insinuando que Fachin também recebeu propina, Reinaldo?” Eu nunca insinuou nada. Quando quero, afirmo. Não tenho informação de que tenha recebido grana. Mas tenho a clareza de que a proximidade do ministro com um dos comandantes da organização criminosa o torna suspeito para seguir relator desse caso.

Mais do que isso: se Saud o acompanhou, o empresário e lobista o fez na certeza de que sua presença poderia mover a vontade dos senadores. Assim, Fachin foi obviamente beneficiado pela, digamos, inserção que a J&F mantinha no Parlamento. E foi Fachin a dar sinal verde para uma operação do Ministério Público obviamente ilegal? E foi ele a decidir, em última instância, a liberdade, sem amarras de qualquer natureza, a Joesley, o conviva da mais longa das noites?

Informação
Um grupo de deputados decidiu ingressar com um pedido na Comissão de Constituição e Justiça para que o ministro explique as suas relações com Saud. Ora, o que há de estranho nisso, considerando que este também foi um dos beneficiados por Janot e pelo ministro? É preciso, sim, cobrar detalhes dessa relação.

Pois é… Leio no Painel, da Folha, que há quem, no Supremo, considere que isso seria uma forma de intimidar Fachin e poderia caracterizar até um crime: coação! Ah!!! A tese é de tal sorte exótica que deve derivar de algum ministro que não conhece direito a Constituição. Chuto… Roberto Barroso! Como é? Então um parlamentar perdeu a prerrogativa de apresentar petições à CCJ caso estas digam respeito a um ministro do Supremo? Então a imunidade parlamentar já não garantiria nem mais o direito de cobrar explicações?

Bem, considerando que Janot resolveu denunciar Aécio Neves por obstrução da Justiça porque, afinal, ele atuou como senador, não seria de estranhar que alguém levantasse a tese de que um deputado comete um crime quando faz indagações a um ministro do STF. Ademais, Fachin, como sabemos, cobra explicações de todo mundo, certo? Por que não pode dá-las também? E ainda com maior necessidade: afinal, o Judiciário existe para remediar os remédios, não é?

Fachin tem de abrir mão dessa relatoria. Sei lá se um outro seria melhor ou pior para Temer. Pouco importa nesse caso. Não dá é para aceitar o inaceitável. E não é aceitável que ele tenha sido, vamos dizer, acolhido pelo empresário que confessou 245 crimes e depois se mandou para Nova York, deixando atrás de si um país perplexo, mergulhado na certeza e da desesperança.

Estaria forçado a renunciar à relatoria ainda que tivesse tido, no caso, um comportamento exemplar. Mas todos sabemos que isso não é verdade.

O Brasil exige a volta de Joesley. E cobra também que, em alguma medida, ele pague por seus crimes, a exemplo do que aconteceu com todos os outros empresários que fizeram delação — ainda que, também para estes, as respectivas penas tenham sido pornograficamente baixas.

Não é de hoje que o crime compensa em Banânia. Mas nunca recebeu um prêmio tão alto como nesse caso


06 de junho de 2017
Reinaldo Azevedo

O CUSTO DO DESASTRE DILMISTA

No item corrupção, o Brasil ocupa a penúltima classificação no ranking do IMD, à frente apenas da Venezuela

O efeito da desastrosa gestão econômica durante o governo de Dilma Rousseff aparece com toda nitidez no mais recente relatório do International Institute for Management Development (IMD) sobre competitividade em 63 países. Desde a primeira eleição de Dilma, em 2010, quando alcançou sua melhor classificação, o Brasil perdeu 23 posições no ranking, caindo do 38.º para o 61.º lugar, ficando à frente de apenas duas outras economias. Uma delas é a Venezuela, destroçada econômica e politicamente pelo governo bolivariano de Nicolás Maduro; outra é a Mongólia.

O estudo World Competitiveness Yearbook, que é publicado desde 1989 pelo IMD – uma das mais reputadas escolas de administração do mundo, com sede em Lausanne, na Suíça – com a colaboração local da Fundação Dom Cabral, mostra a contínua queda do Brasil na classificação geral desde que Dilma chegou ao governo. Havia a expectativa de melhora da posição brasileira entre 2016 e 2017, em razão do impeachment de Dilma Rousseff e da posse de Michel Temer à frente de um governo com um programa de reformas destinadas a criar as condições para a retomada do crescimento. Mas isso não ocorreu.

Neste ano, o Brasil perdeu quatro posições, em razão, sobretudo, do aprofundamento da recessão iniciada em 2014, do aumento do desemprego e da revelação da extensão da corrupção na estrutura política e empresarial do País. No item corrupção, o Brasil ocupa a penúltima classificação no ranking do IMD, à frente apenas da mesma Venezuela dominada pelo governo de inspiração chavista.

Os dados relativos ao Brasil foram compilados antes do surgimento da mais nova crise política, provocada pela divulgação de gravações de conversas do empresário Joesley Batista com políticos, entre eles o presidente Michel Temer. Mesmo que os efeitos da atual crise tivessem sido computados a posição do País não pioraria. Mas isso não chega a ser um consolo, pois os últimos colocados estão em situação muito pior.

Há no estudo do IMD pontos bastante positivos para o Brasil, como sua resistente capacidade de atrair investimentos estrangeiros diretos, que totalizaram US$ 78,9 bilhões no ano passado e, segundo projeções do Banco Central, devem alcançar US$ 75 bilhões neste ano. É uma indicação importante para o momento em que a crise política for superada e a economia der sinais de recuperação. Outro item em que o País ocupa boa colocação é o referente a risco financeiro, no qual ocupa a 33.ª posição, bastante baixa se comparada com a classificação geral.

Mas os graves e óbvios problemas do País o arrastaram para as últimas posições do ranking do IMD. A aguda recessão econômica, o aumento expressivo do número de desempregados, a queda da renda da população e, no plano político e administrativo, a ineficiência das ações de um governo duramente afetado pela corrupção e, sobretudo, o alcance que as práticas ilegais alcançaram no setor público, entre outros problemas, contaminam a atividade econômica e corroem a competitividade.

Os problemas mais recentes somam-se a antigos e ainda não resolvidos, como a baixa qualidade do ensino. Embora ocupe a 8.ª posição em gastos públicos com ensino, o Brasil obteve apenas a 62.ª colocação, a segunda pior do grupo, em qualidade da educação. Se não se preparar adequadamente, o País continuará a ficar para trás na classificação mundial quando se considerar o que os técnicos chamam de competitividade digital. Capacidade de produzir conhecimento e de adaptação a mudanças tecnológicas é item determinante dessa competitividade, mas o Brasil, como outros países latino-americanos, tem investido muito pouco em pesquisa e desenvolvimento.

Professora da Fundação Dom Cabral, Ana Burcharth disse ao Estado que o problema é que, enquanto o Brasil não sai do lugar, outros países evoluem. Se providências não forem tomadas a tempo, a distância tenderá a aumentar.


06 de junho de 2017
Editorial O Estadão

AQUI É O FIM DO MUNDO

O indescritível superou o descritível. O caráter da época passa com dificuldade porque seu principal personagem sobrevive. E sua sombra enfeitiça a realidade, cobrando de afilhados lealdade.

Esgotadas as condições econômicas que permitiram realizar uma política pública de improvisação e sem futuro, uma política social manipuladora e sem lastro, uma política industrial sem fundamentos éticos ou técnicos, restaram aos titulares da falha funcional que sustentou seu tempo fingirem não o ver escarnecer da Justiça.

Estávamos à mercê de juízes e acusadores secundários, rugiu a capital. Mas eles não controlarão mais esse jogo. Tremei, insanos, não haverá tempo de passar da ira às súplicas, diz o simplificador geral, tomando as rédeas dos crimes construídos. Balbucia recados desconexos: “Calma, escravos, temos traidores também do nosso lado, primeiro vamos cuidar dos vossos traidores. Nós somos um comitê, mentalidade de casais. Num piscar de olhos emitimos a autorização para uso da força. Somos o injusto disfarçado de justo. A pior praga do populismo-popular.

“Vá, pensamento, minha pátria tão bela e perdida!”, canta, silencioso, o povo escravizado na mentira por acusadores que o traíram, se venderam aos corruptores, ao poder da produção do mal. Um investidor honesto, que tudo perdeu e nada recupera, proclama: “Por um procurador da sociedade”, “Por um juiz do cidadão, externo a moral estatal deles”.

A luta pela igualdade virou afirmação da diferença e fez explodir no país a desigualdade perante a lei. O Direito sumiu do horizonte da Justiça. O poder econômico se apropriou de vez da política e envolveu a alta Justiça. Criou-se um problema insanável: a jurisdição de exceção protege o governante antigo; o ímpeto de imolação se dirige contra o governante novo. E, mais uma vez, para nada, o pequeno briga na rua a briga dos maiorais.

A Justiça se ajustou ao modo de ser do líder do período e se tornou um ramo do relacionamento conflituoso. Capturada pela escuridão intelectual e grupos de pressão do velho regime, por corporações da alta elite do Estado, usa o crime como freio para as reformas. Dono dos autos, os 11 Supremos, cada um a seu modo, arremedam os mestres da cilada e aprisionam o país na corrupção.

É preciso exigir que o governo não pague mais para que o mau empresário fique rico. Encerre a lambança no BNDES, cobre o julgamento da CVM, e enterre o capitalismo de aduladores. Eleições mortas não podem ser julgadas como vivas só para manter a totalidade sombria e desestabilizadora que infantiliza a democracia.

Grave foi falar em Fome Zero, dirigir a FAO e terminar doando o dinheiro do trabalhador para desnacionalizar o parque industrial de alimento. Levar o capital público brasileiro a mudar de mãos e de país deveria ser caso de degredo para quem concedeu, e extradição para quem recebeu.

Não será aqui onde, comovedor ou zombeteiro, para envenenar a transição, o procurador-geral apresenta ao ministro relator a prova intergeracional do DNA do país: uma herança-propina, paga por semana, por 20 anos.

Nunca um cortesão ofendeu tanto a inteligência da ralé. Aqui é o Terceiro Mundo, peça a bênção e vá dormir.


06 de junho de 2017
Paulo Delado, O Globo

A LAVA JATO E SUAS ATRIBULAÇÕES

No mundo da Lava Jato, a atual direção da PF é intocável por definição, e quem for ministro da Justiça que lide com isso.

Não é de hoje que uma parte da força-tarefa da Lava Jato considera que há uma conspiração de políticos para sabotar a operação. Qualquer movimento no governo, no Congresso ou no Judiciário que não seja de incondicional apoio às atividades da Lava Jato é apontado como manobra para impedir que os políticos corruptos paguem pelo que fizeram, e para obstar o saneamento da vida pública nacional que os procuradores julgam realizar há três anos. Em lugar de reconhecer os erros e exageros cometidos no decorrer da operação, que em certos momentos se assemelha a uma cruzada, alguns procuradores e investigadores acabam de revelar sua disposição de divulgar uma nova avalanche de denúncias, com o objetivo de neutralizar os efeitos das críticas que vêm sofrendo e que, para eles, fazem parte de uma ofensiva para desmoralizá-los. Se têm conhecimento de ilícitos, sua obrigação de ofício é revelá-los às autoridades judiciárias – e não usar tais informações para valorizar suas posições. Não fica bem que ajam como pessoas incompreendidas e injustiçadas.

Essa estratégia de vitimização tem se tornado muito comum no Brasil. Quando alguém se julga moralmente superior e responsável pela regeneração nacional, tende a considerar qualquer reparo ao seu comportamento como uma intolerável reação dos que querem manter tudo como está. Como o imaginário popular considera todos os políticos corruptos – ainda que muitos sejam verdadeiramente honestos –, é fácil para esses paladinos da pureza contrapor-se a quem não os apoia integralmente, tratando-os como inimigos do processo de higienização do mundo político.

Assim, alguns procuradores acreditam que as críticas ao vergonhoso acordo de delação premiada feito pela Procuradoria-Geral da República com o empresário Joesley Batista, por exemplo, fazem parte da tática dos adversários para minar a luta contra a corrupção. Tal denúncia não se sustenta nos fatos, a saber: Joesley gravou a conversa com Michel Temer na expectativa não de produzir provas para se defender, mas sim de induzir o presidente a produzir provas contra si mesmo, o que, diga-se o que quiser, é o flagrante armado; a iniciativa de gravar a conversa foi de Joesley, sem autorização da Justiça, na presunção de que, ao obter esse material explosivo, ganharia um generosíssimo acordo com o Ministério Público, desde sempre interessado nos “peixes grandes” da política; a gravação foi considerada como prova antes mesmo de ser periciada; e, finalmente, Joesley Batista, embora tenha confessado crimes pesados, não cumprirá um único dia de pena na prisão.

Para os procuradores, contudo, quem levanta essas questões quer apenas encontrar justificativas para aprovar medidas que tolheriam seu trabalho, como a lei que coíbe abuso de autoridade. Segundo o jornal Valor, até mesmo o ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, por já ter defendido a adoção dessa lei, é visto pelos procuradores como um dos adversários da Lava Jato.

Na reportagem informa-se que, para a força-tarefa da Lava Jato, o ministro Edson Fachin, relator da operação no Supremo, e o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, serão os alvos dessa nova “ofensiva política”. O primeiro, porque teria sido ajudado pela JBS de Joesley Batista na sua campanha para cabalar votos para chegar ao Supremo; o segundo, porque foi sob sua chefia que um procurador que atuava na Lava Jato passou para o outro lado e ajudou a JBS a negociar o acordo de leniência, enquanto outro procurador foi preso sob acusação de passar informações confidenciais à empresa de Joesley Batista.

Ao mesmo tempo, a troca do ministro da Justiça também foi vista pelos procuradores como uma ameaça à Lava Jato, pois eles acreditam que o novo titular, Torquato Jardim, mexerá na chefia da Polícia Federal (PF) para minar as investigações – crença que não se abalou nem mesmo depois que Jardim garantiu não ter a intenção de fazer a substituição. No mundo da Lava Jato, a atual direção da PF é intocável por definição, e quem for ministro da Justiça que lide com isso.

Para quem se julga do lado do “bem”, todo o resto só pode ser o “mal”, contra o qual vale tudo. Ao esposar tal doutrina, certos integrantes da Lava Jato correm o risco de prejudicar o crucial trabalho de combate à corrupção no País.


06 de junho de 2017
Editorial O Estadão

O TSE NÃO DEVE CASSAR TEMER

“Julgar por pesquisas de opinião” representa a antítese do papel constitucional do Poder Judiciário – inclusive do TSE

​Nesta semana será retomado o julgamento que pode redundar na cassação do presidente Michel Temer pelo TSE. É o mais importante julgamento da história da Justiça Eleitoral. Há algumas naturais incompreensões sobre o tema.

​É inegável que há uma crise política no Brasil. E ninguém duvida que a crise política tem impacto negativo na economia. No entanto, como bem observou o ministro Gilmar Mendes, “o TSE não é ambiente para resolver crises políticas”. O TSE deve julgar o processo que pede a cassação da chapa Dilma-Temer a partir de uma racionalidade exclusivamente jurídica. O contexto político circunstancial é um dado neutro. O ex-ministro Joaquim Barbosa afirmava que os juízes deveriam “sair às ruas” para orientar julgamentos. Discordo. “Julgar por pesquisas de opinião” representa a antítese do papel constitucional do Poder Judiciário – inclusive do TSE.

A nossa Constituição fez uma opção clara pela estabilidade dos mandatos. Isso não significa impunidade 

Definido que o julgamento é eminentemente jurídico, o TSE terá de decidir se o processo contém (ou não) elementos suficientes para anular a eleição da chapa Dilma-Temer. É importante lembrar que não são quaisquer ilícitos eleitorais que redundam em cassação de mandato. É necessário que os eventuais ilícitos sejam graves o suficiente para desequilibrar o resultado. Nenhum país do mundo promove tantas cassações judiciais de mandato como o Brasil, mas a regra constitucional brasileira exige gravidade. A cassação de mandato, enfim, é medida excepcionalíssima que só está autorizada quando realmente ficar demonstrada a prática de abuso que comprometa o resultado eleitoral. Revela-se, no TSE, a gravidade exigida pela nossa Constituição? Na única fração do processo que pode ser validamente julgada, entendo que não.

​Na origem, a ação proposta por Aécio Neves e pelo PSDB, no fim de 2014, tinha um objeto muito restrito. Havia a indicação de supostos ilícitos eleitorais que, mesmo sendo provados, não continham a gravidade necessária para indicar cassação. Bem mais tarde, revelações da Lava Jato – independentemente da força probante de tais fatos, o que não discuto aqui – deram contornos de gravidade ao processo. No entanto, a nossa Constituição não admite a inclusão destes fatos novos.

​O prazo para apresentar fatos e impugnar o resultado eleitoral é de até 15 dias depois da diplomação. Depois disso não há mais espaço para impugnar mandatos, por mais graves que sejam os fatos posteriores revelados. É assim no mundo inteiro. A estabilidade da democracia depende da estabilidade dos mandatos. Por isso há prazos exíguos para ações de cassação em todos os países. A Comissão Europeia para a Democracia através do Direito orienta a adoção de prazos exíguos. A respeitada Comissão de Veneza, como é conhecida, diz que o interesse público está em vedar questionamentos tardios dos mandatos. A democracia convive muito mal com a instabilidade dos mandatos. Daí um prazo universal limite para a legitimidade do resultado eleitoral. A nossa Constituição fez uma opção clara pela estabilidade dos mandatos. Isso não significa impunidade. Se houve crime, a apuração deve estar na esfera penal. Para a Justiça Eleitoral, ou são apresentados fatos no prazo ou o mandato se estabiliza. Insisto: é assim no mundo inteiro, como mostrei nos dois pareceres que apresentei ao TSE a pedido da defesa do presidente Temer.

​Esta ampliação tardia do objeto (com os temas da Lava Jato) não é admitida porque representa uma ação nova fora do prazo. A ampliação extemporânea, enfim, equivale à propositura de nova ação fora do prazo constitucional. Não por acaso, a jurisprudência do TSE sempre rejeitou a hipótese. Por isso, entendo que é assim que o TSE deve julgar o caso, apenas considerando o que estava no processo desde o início – sem a ampliação extemporânea. Até porque poderia ser casuístico alterar a jurisprudência apenas para cassar o presidente Temer. Casuísmo e Judiciário não combinam. O resto é algo para ser resolvido pelos atores da política.



06 de junho de 2017
Luiz Fernando Pereira é doutor em Processo Civil pela UFPR. Gazeta do Povo, PR

GOVERNO INDECENTE

A democracia representativa não é necessariamente corrupta. Mas só com poderes limitados pode haver um governo decente

Há pouco mais de dois séculos, a corrupção e a estagnação sistêmicas abateram nas lâminas das guilhotinas uma aristocracia sem responsabilidades e cheia de privilégios. A centralização administrativa promovida pela monarquia absoluta dos reis da França esvaziara as atribuições da nobreza feudal, que se convertera em casta inútil. A irrefreável ascensão do ideal democrático da igualdade tornava inaceitáveis aqueles privilégios de uma classe que ia perdendo sua legitimidade. À medida que subiam os impostos do Antigo Regime, os privilégios dessa casta se tornavam cada vez mais ofensivos à população. Para Tocqueville, o Antigo Regime e a revolução de 1789 eram indissociáveis, uma continuidade histórica mais do que uma inexplicável ruptura.

A corrupção e a estagnação sistêmicas que sofremos agora refletem o desafortunado descarrilamento de nossa inacabada transição do antigo regime militar para uma Grande Sociedade Aberta. A expansão ininterrupta dos gastos públicos e a ocupação política do aparelho de Estado são a linha de continuidade a explicar a escalada dos escândalos de corrupção e a degeneração das práticas políticas. “As enormes somas que passavam pelas mãos do Estado davam oportunidade para fraudulentos contratos de fornecimento, corrupção, subornos, malversações e ladroeiras de todo gênero”, já advertia Marx no clássico “As lutas de classe na França: 1848-1850”. A contínua exposição na mídia de piratas privados, burocratas corruptos e criaturas do pântano político tornou-se, nas modernas democracias representativas, o equivalente dos espetáculos de decapitação em praça pública ocorridos na radical “democracia” jacobina. Para moderar uma insaciável guilhotina midiática, o Congresso deve abrir mão de seus privilégios (foro privilegiado, aposentadorias nababescas), sem hesitar no exercício de suas funções (aprovar reformas).

A degeneração moral de nossa democracia emergente é explicável. “O engano fatídico foi julgar que a adoção de procedimentos democráticos permitiria dispensar limitações ao poder governamental. Não é que a democracia representativa seja necessariamente corrupta. Mas só um governo com poderes limitados pode ser um governo decente”, alertava Hayek, em seu clássico “Direito, legislação e liberdade”.


06 de junho de 2017
Paulo Guedes, O Globo

JUÍZES SE JULGAM DEUSES, PROCURADORES SANTOS E ADVOGADOS, A ÉTICA PURA

A política é um circo. Quanto menos você tiver esperança política, menos você se iludirá sobre a realidade política. O ceticismo em filosofia sempre aconselhou uma postura mais conservadora e cuidadosa quanto às promessas políticas. Desde que a política se tornou objeto de fé, passamos a ter expectativas salvacionistas através da política. E a política não passa da conquista, gestão, manutenção e distribuição do poder.

Não há nenhuma dimensão "ética" na política, nem nunca houve. O que há são sociedades mais ricas em que seus políticos destruíram outras sociedades no mundo para garantir o aspecto de santos nas suas próprias (e a população goza dessa santidade na mesma medida).

Eu, pessoalmente, espero o mínimo da política. Que não nos atrapalhe em demasia, por isso, que seja mínima.

O erro crasso de quem espera uma redenção política é não prestar atenção na política mais próxima dele. É comum grandes canalhas cotidianos agirem de modo politicamente canalha nas instituições em que trabalham, mas sustentarem um discurso "ético" na "grande política" (esse mito de gabinete).

Por exemplo, mentir, manipular o cotidiano institucional, usurpar ganhos alheios, destruir carreiras de colegas em universidades, igrejas, sindicatos de classe, grupos artísticos, corporações de todos os tipos, enfim, fazer política real. Mas quando se trata de falar da "grande política", enche os olhos de lágrimas em nome da justiça social.

A redenção do mundo via política virou um mercado para canalhas específicos. Pense bem e verá que há um perto de você.

O mundo não é perfeito, claro. Mas o Brasil parece, nos últimos tempos, trabalhar duro para destruir nosso cotidiano. O homem é um animal frágil moralmente, sempre foi e sempre será. Mas vivemos agora, de fato, a ruína moral dos Poderes no país.

Em matéria de Poderes da República no Brasil, o Executivo sempre teve vocação getulista, ou seja, a vocação de ser o "pai ou mãe dos pobres". A miséria no país sempre foi um importante capital para correntes coronelistas-populistas como a do PT.

O Legislativo é a representação perfeita do fisiologismo corrupto. Trabalha para si mesmo. Basta ver a corrida dos insetos em busca das misérias pós-Temer. Dane-se a estabilidade econômica. Querem a miserável Presidência por alguns meses.

A economia é a única coisa que importa nisso tudo, mas, infelizmente, semiletrados de todos os tipos pensam que, quando se diz que é a economia que importa, estamos a defender "O Capital". Chega a ser ridícula a força desse mito ("Das Kapital") no pensamento.

Não, "economia" aqui significa que você perde o emprego, deixa de comprar coisas, e os outros perdem o emprego porque você deixou de comprar coisas. Estágios são fechados, lojas também. Tudo para de circular. Mas você, que acredita em Papai Noel, ainda não entendeu que é a economia que sustenta tudo, inclusive coisas fofas, como os direitos humanos. E o dinheiro nunca foi produzido pela Chapeuzinho Vermelho.

E o Poder Judiciário? Esse mesmo que até pouco tempo muita gente pensava ser um produto real da Marvel. Uma mistura de Batman, Super-Homem, Capitão América, Homem de Ferro e Thor. Não. O Poder Judiciário não é um monólito de pureza.

Se o Executivo tem vocação ao populismo, e o Legislativo à corrupção pedestre, o pecado do Judiciário é a arrogância e a onipotência. Juízes se julgam deuses, procuradores santos, advogados representantes da ética nacional. Risadas?

Para ingênuos talvez, mas não para quem já leu mais do que dois livros na vida. O Poder Judiciário, inclusive, ou principalmente o STF, é também um poder "político" na medida em que sofre a mesma pressão para articular, privilegiar, perseguir, em nome dos interesses materiais ou ideológicos de seus membros.

E em meio a isso tudo, vem a moçada das diretas já, como num surto de gozo dos anos 1980. Como se a maioria desses (afora os ingênuos) não fossem os fanáticos da soberania popular "pura" ou não fossem os coronelistas do PT apostando na ressurreição do seu Drácula de bolso.



06 de junho de 2017
Luiz Felipe Pondé, Folha de SP

TODOS LEIGOS

Quer dizer que crimes, no Brasil, só podem ser apurados se houver delação?

O BRASIL DE HOJE está dividido em dois tipos de gente. De um lado, há os que mandam na aprovação de leis e, principalmente, na sua aplicação. 
São os políticos, que executam a primeira tarefa do jeito que se sabe, e depois deles camadas sucessivas de advogados caros ou influentes, desembargadores, procuradores gerais ou parciais, ministros de tribunais superiores e, acima de todos, os onze cidadãos que estão no momento no Supremo Tribunal Federal; frequentemente, chamam a si mesmos de "juristas". 
Do outro lado estão os "leigos" — todos os demais cidadãos brasileiros, cujo papel é obedecer a tudo o que o primeiro grupo decide. Não apenas obedecer: têm de estar de acordo, sob pena de serem acusados, justamente, de "leigos". 

É mau negócio ser leigo neste país. Na melhor das hipóteses, para os que controlam o aparelho legal, esse indivíduo é um ignorante que jamais sabe o que está falando, não tem capacidade mental para entender as decisões dos juristas e acha que o triângulo tem três lados, quando pode ter cinco, sete ou qualquer número que os magistrados resolvam, pois "decisão judicial não se discute, cumpre-se". 

Na hipótese pior, os leigos que discordam de algum desses decretos imperiais — diversos deles, comicamente, são chamados de "monocráticos", ou tomados por uma pessoa só, no palavreado da moda — são denunciados como "inimigos do Estado de Direito".

Justamente agora, com essa prodigiosa e extraordinariamente turva operação de artilharia em torno do mandato do presidente da República, o Brasil está vivendo um dos grandes momentos da charada judicial aqui descrita. 

A questão realmente central, ai, é a seguinte: continua incompreensível, há mais de vinte dias, por que um empresário que confessou oficialmente crimes capazes de lhe render dezenas de anos de cadeia foi perdoado pelo procurador-geral da República, e por um ministro do STF, de todos os delitos que tinha confessado, junto com o irmão, e para o resto da vida; não enfrentará um único processo penal na Justiça brasileira nem ficará um minuto na cadeia. 

No momento, relaxa no exterior na companhia de seu iate, ou de seus bilhões, ou de outros confortos. Um cidadão em atraso com o pagamento de pensão alimentícia, por exemplo, está em situação muito mais perigosa que ele e o irmão perante a Justiça nacional. 
É impossível entender: está escrito na lei que é proibido subornar, mas os juristas — no caso, o PGR e o ministro "monocrático" do STF — podem perfeitamente decidir que é permitido, sim senhor, cometer o crime de suborno quando ambos decidirem que é.

O PGR e o seu entorno nos garantem que, sem o perdão dado aos delatores, crimes muitíssimo mais graves ficariam "sem punição". Como ele pode ter certeza disso? 
Quer dizer que crimes, no Brasil, só podem ser apurados se houver delação? 
E que crimes monumentais seriam esses? Como garantir, também, que serão punidos? Nada disso é explicado com um mínimo de lógica. 
A aberração toda fica especialmente agressiva quando se pensa, por dois minutos, que o procurador, sobretudo um que procura "geral" e procura para ninguém menos que a "República", é pago pelo contribuinte para colocar criminosos na cadeia — e não para fazer o contrário, permitindo que escapem para Nova York no seu jato particular Gulfstream Aerospace G550, com capacidade de levar até vinte passageiros. 

Mas tudo isso só é incompreensível para o leigo, esse amador ingênuo, chato e incapaz de raciocinar como um jurista; é um bobo que utiliza a palavra "justiça" e acredita que a autoridade pública deva tomar decisões "justas". 
Para os que influem ou mandam no sistema judiciário brasileiro, o leigo, tristemente, é incapaz de pensar como um profissional sério da ciência jurídica. 
Ali, como sabem as pessoas realmente qualificadas para tomar decisões legais, o que importa não é a aplicação do conceito romântico, tolo e pedestre de "justiça", e sim a aplicação da "lei"; não interessa que as decisões sejam "justas", e sim que sejam "legais" — isto é, que estejam de acordo com o que os altos tribunais decidirem.

Você acha uma alucinação que criminosos confessos como os irmãos Joesley e Wesley Batista recebam permissão legal para praticar crimes, como, por exemplo, subornar com 50 000 reais por mês um procurador federal de Justiça? 
Ou não acha certo que dois bilionários possam comprar a sua impunidade com dinheiro — no caso, menos de 11 bilhões de reais, a ser pagos em prestações ao longo de 25 anos? Problema seu. Você é um leigo. Cale a boca. Caia fora.


06 de junho de 2017
J.R.Guzzo, Veja